“O grau de complexidade deste desafio atraiu-me”: João Graça Gomes

João Graça Gomes é um engenheiro sénior de investigação e desenvolvimento na China Three Gorges Corporation (CTG), nomeadamente no seu centro de investigação Shanghai Investigation, Design and Research Institute (SIDRI) e no Sino-Portuguese Centre for New Energy Technologies (SCNET). O seu trabalho foca-se no desenvolvimento de projectos de investigação na área da energia, em especial planeamento energético, armazenamento de energia e eólica offshore. Possui um Mestrado Integrado em Engenharia da Energia e do Ambiente pela Universidade de Lisboa e um mestrado em Power Engineering pela Shanghai Jiao Tong University. Publicou vários artigos científicos e colaborou em relatórios de organizações internacionais como o Banco Mundial, Conselho Mundial de Energia, Bioenergy Europe e a REN21.
Devido à sua pesquisa e contribuição para o sector da energia, recebeu vários prémios, de várias instituições de renome como a Ordem dos Engenheiros, Institution of Engineering and Technology, China Three Gorges Corporation e o prémio Outstanding International Student do Ministério da Educação da República Popular da China.
João é também membro da direcção do programa Global Future Energy Leaders do World Energy Council, membro da direção do programa Future Energy Leaders Portugal e embaixador do Pacto Ecológico Europeu.

É extremamente raro funcionários estrangeiros trabalharem em empresas estatais chinesas, em especial em território chinês. 

Como surgiu o desafio de trabalhar para a CTG no continente asiático?
Este desafio foi o resultado de um planeamento de longo prazo que começou em 2018. Nesse ano, candidatei-me a um programa de bolsas de estudo de pós-graduação na China, financiado pela CTG e Universidade de Lisboa. O programa financiava mestrados em universidades chinesas e dava a oportunidade de colaborar directamente com executivos da empresa. Assim, e na sequência dos investimentos de empresas chinesas no sector energético português, achei que seria uma mais-valia profissional estudar numa das melhores universidades chinesas, a Shanghai Jiao Tong University (top 50 mundial), num mestrado recém-criado em Power Engineering – Low Carbon Energy.
Ao estudar na Shanghai Jiao Tong University destaquei-me em vários projectos de investigação na área de armazenamento hidroeléctrico e planeamento energético, isso levou a CTG a convidar-me para uma reunião com o Vice-Presidente da China Three Gorges International. Aquando da reunião, no verão de 2019, fui convidado a integrar a equipa e foi-me dado a escolher qual a subsidiária da empresa em que preferia trabalhar. Esta foi uma oferta bastante surpreendente, especialmente por ter vindo do topo da estrutura da China Three Gorges.

Aceitou de imediato? Porquê?
Demorei uns dias a reflectir na oferta, por um lado foi um convite único vindo da direcção da empresa, por outro lado ao aceitar iria integrar uma equipa 100 % chinesa, barreiras linguísticas, culturais e na filosofia de gestão poderiam impactar a minha performance. No entanto, o grau de complexidade deste desafio atraiu-me e aceitei a oferta. É extremamente raro funcionários estrangeiros trabalharem em empresas estatais chinesas, em especial em território chinês. Aceitar esta oferta permitiu-me ter uma visão totalmente diferente da China e tem sido uma oportunidade única para expandir o meu conhecimento.

Quais são as suas principais funções?
O convite que recebi dava-me a oportunidade de escolher o meu local de trabalho. Pelo nível de internacionalização de Shanghai e pelo meu interesse na investigação na área das energias renováveis, decidi focar-me no centro de design, planeamento, investigação e desenvolvimento da CTG, o Shanghai Investigation, Design and Research Institute (SIDRI). Este centro destaca-se por fazer a análise técnico-económica da grande maioria dos investimentos da CTG no exterior, pelo design e planeamento da maioria das centrais eólicas (onshore e offshore) da CTG, pelo elevado foco na investigação científica na área das energias renováveis e, mais importante, por albergar uma joint venture em parceria com a EDP New, o Sino-Portuguese Centre for New Energy Technologies (SCNET).
Tenho três tipos de funções na CTG:
Desenvolver e liderar projectos de investigação financiados pela empresa na área do planeamento energético, microgrids, armazenamento energético e mercados de electricidade. Muitos destes projectos ambicionam analisar inovações europeias na área das energias renováveis e adaptá-las ao contexto chinês. Temos vários projectos em parceria com universidades, o que ajuda a reduzir o gap entre investigação industrial e investigação académica.
Assistência à gestão do SCNET. A maioria dos projectos internos do SCNET, participações em conferências internacionais, actividades de promoção da joint venture são delineados por mim.
O “olhar estrangeiro” da CTG. Reúno-me com alguma frequência com executivos de topo da empresa para transmitir inovações europeias do sector energético, e para analisar e avaliar o desenvolvimento de novos projectos sobretudo no mercado Europeu e Sul Americano.
Destaca-se ainda a minha colaboração com a iniciativa Global Future Energy Leaders do World Energy Council e do seu programa em Portugal, Future Energy Leaders Portugal, desenvolvido em parceria com a Associação Portuguesa de Energia. Sou board member de ambos os programas, e apesar destas tarefas não estarem directamente relacionadas com o meu trabalho na CTG é uma forma de me manter actualizado ao progresso do sector energético português.

O que mais o fascina na indústria em que trabalha?
É uma indústria bastante promissora em revolução permanente. A capacidade de colaborar com universidades e outros centros de investigação e o contacto constante com profissionais de várias nacionalidades permite-me obter uma visão holística da indústria energética. Por último, trabalhar na área da energia renovável é bastante gratificante pois o nosso trabalho tem o potencial de minimizar o sério problema das alterações climáticas.

É na China que passa grande parte do tempo. Como é o seu dia-a-dia?
A maioria do meu tempo é passado em investigação científica e em reuniões com diferentes equipas de investigadores. Devido à complexidade das tarefas do meu trabalho é comum trabalhar nos dias úteis cerca de 12 horas por dia. Adicionalmente, a diferença horária com a Europa também faz com que tenha que estender o meu horário de trabalho até tarde. Porém, como se costuma dizer “quem corre por gosto não cansa”, o trabalho é extremamente motivador e isso permite-me continuar com esta agenda atarefada. Para recarregar baterias, tenho por hábito desligar-me completamente do trabalho no fim de semana e passar esse tempo a viajar, a fazer exercício ou a fotografar. Um dos grandes motivos de estar na China é também para conhecer mais sobre esta cultura milenar, e assim aproveito todas as oportunidades para viajar pelo país. Até ao momento já visitei 15 das 34 regiões administrativas chinesas.

Quais as principais diferenças ao nível da metodologia de trabalho que encontrou ao mudar-se para o continente asiático?
Os asiáticos são extremamente diligentes e têm uma enorme devoção à empresa onde trabalham. Quando um colega asiático não sabe a solução a alguma questão, ele irá fazer os possíveis para obter uma resposta e irá usar grande parte do seu tempo livre para obter mais conhecimentos técnicos que auxiliem a empresa. É comum os meus colegas fazerem três ou quatro horas extra por dia, voluntariamente, e não há uma divisão clara da vida profissional e privada. A cultura profissional também é bastante hierárquica e formal, e para se progredir na carreira profissional tem que se obter um balanço difícil entre ética pessoal, competência técnica e guanxi. Guanxi é um termo chinês complexo que traduzido literalmente significa relação.  No mundo empresarial, guanxi refere-se não apenas à existência de uma boa rede de network, mas à sua natureza: ter confiança pessoal e uma relação extraprofissional forte. O guanxi também pode criar obrigações morais e exigir a troca de favores na China, para um ocidental esta é uma das maiores dificuldades.
Outra grande dificuldade é a falta de planeamento na estrutura empresarial chinesa. Muitas medidas são tomadas repentinamente e sem auscultação dos shareholders da empresa, a estrutura é altamente hierárquica e é difícil contradizer a liderança, o que torna a gestão de equipas complexa.

Qual é a sua filosofia de gestão?
A minha filosofia de gestão baseia-se em dois princípios: liderar pelo exemplo e considerar os meus colegas como os activos mais importantes de qualquer projecto. Coordenar pessoas e diferentes personalidades é bem mais complexo do que coordenar um projecto científico. Na questão de liderar pelo exemplo, tento dar um foco ao planeamento detalhado dos trabalhos, assegurar o rigor do trabalho realizado, manter um bom espírito de equipa e motivar com pensamento positivo. É ainda importante assegurar aos meus colegas que não temos que ter todas as respostas, mas ter humildade de procurar ajuda de quem possa colmatar as nossas fragilidades. Há uma frase de Ernest Hemingway que conservo como uma máxima de gestão, a frase resume a importância de que conhecermos bem quem trabalha connosco e preservarmos um ambiente harmonioso na nossa equipa é crucial para resolver tarefas complexas:
“– Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
– E isso importa?
– Mais do que a própria guerra.”

Estando a viver tão longe de Portugal, como é que “mata saudades” do nosso País?
Mato saudades falando diariamente com os meus pais e irmã por Whatsapp, e por vídeo com alguma regularidade. Também falo diariamente com os meus amigos, apesar de não ir a Portugal há já três anos, eles continuam em contacto comigo diariamente e vamos partilhando novidades das nossas vidas. Infelizmente, com a política de covid zero na China foi impossível ir a Portugal nos últimos três anos. Antes da pandemia ia a Portugal cerca de duas vezes por ano, uma data fixa no Natal e outra flexível de acordo com o trabalho.
Apesar de já não ir a Portugal há algum tempo, para matar saudades é essencial continuar a preservar as nossas tradições, a celebrar o Natal e Páscoa com pratos típicos do nosso país, a comemorar o 10 de Junho, etc. 

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