O filho de agricultores que era gago e teve uma ascensão meteórica na política: Quem é François Bayrou, o novo PM francês?
François Bayrou foi hoje nomeado primeiro-ministro de França, mais um marco numa carreira política notável que atravessa décadas de transformações políticas no país. O veterano centrista, de 73 anos, líder do Movimento Democrático (MoDem), é um aliado de longa data do presidente Emmanuel Macron e uma figura influente na política francesa. Conhecido por se autodenominar “um homem do campo”, Bayrou combina uma profunda ligação às suas raízes no sudoeste de França com uma longa experiência em posições de destaque no governo e na administração pública.
Primeiros anos e educação
François Bayrou nasceu a 25 de maio de 1951 em Bordères, nos Pirenéus-Atlânticos, uma pequena vila situada entre Pau e Lourdes. Filho de Calixte Bayrou, agricultor e antigo presidente da câmara pelo MRP, e de Emma Sarthou, Bayrou cresceu num ambiente rural e familiar profundamente ligado às tradições locais. Desde jovem, enfrentou vários desafios pessoais, como a gaguez, que superou após alguns anos a fazer terapia da fala. Estudou literatura na universidade, alcançando, aos 23 anos, a agregação, o mais alto grau de qualificação para professores em França.
Foi também nessa altura que sofreu a perda trágica do pai, num acidente com um trator, que muito o marcou. Após o episódio, concluiu os estudos e, em 1971, casou-se com Élisabeth Perlant, com quem teve cinco filhos. Juntos, criaram a família na quinta onde Bayrou nasceu, mais um exemplo da ligação contínua às suas origens.
Arranque da carreira política
A entrada de Bayrou na política deu-se em 1982, como membro do Conselho Geral dos Pirenéus-Atlânticos pelo cantão de Pau-Sud. Logo quatro anos depois, foi eleito para a Assembleia Nacional como representante da União para a Democracia Francesa (UDF), uma confederação centrista. Em 1993, foi nomeado Ministro da Educação no governo liderado por Édouard Balladur. Nesse cargo, propôs reformas controversas, incluindo o financiamento de escolas privadas por autoridades locais, que geraram protestos massivos e foram rejeitadas pelo Conselho Constitucional.
Já em 1998, assumiu a presidência da UDF, transformando-a numa entidade política unificada, afastando-se progressivamente do campo conservador liderado pelo RPR, precursor da UMP.
O centrista que fundou (e presidiu) ao Movimento Democrático francês (MoDem)
François Bayrou é amplamente reconhecido por reposicionar a UDF como um partido independente, recusando uma fusão com a UMP em 2002. Este movimento refletia a sua crítica ao sistema bipartidário francês e o seu apelo por uma política pluralista. Posteriormente, fundou o Movimento Democrático (MoDem) em 2007, consolidando a sua visão de um centrismo independente e modernizador.
Apesar de enfrentar desafios eleitorais, como as divisões internas do centro, Bayrou permaneceu uma figura relevante na política francesa, desempenhando um papel de ponte entre diferentes correntes políticas.
Candidaturas à presidência
Bayrou candidatou-se à presidência em três ocasiões (2002, 2007 e 2012). A sua melhor performance foi em 2007, quando alcançou 18,57% dos votos, ficando em terceiro lugar. Durante essa campanha, destacou-se pela defesa de uma política centrada nos valores de produção, educação e transparência política, mas recusou apoiar qualquer um dos candidatos na segunda volta, criticando Nicolas Sarkozy mais veementemente.
Apoiante fervoroso de Macron
Em 2017, Bayrou optou por não concorrer à presidência, declarando apoio ao centrista Emmanuel Macron. Este gesto consolidou a parceria entre ambos, com Bayrou a ser nomeado Ministro da Justiça no primeiro governo Philippe. Contudo, a sua passagem pelo cargo foi breve, marcada por alegações de empregos fictícios no seu partido, das quais foi mais tarde absolvido.
Bayrou continuou a desempenhar um papel fundamental como conselheiro e aliado de Macron, especialmente durante as eleições de 2022, em que apoiou iniciativas para garantir um sistema político mais representativo, como a “banca de patrocínios” para candidatos com dificuldades em obter assinaturas de apoio.
Posições políticas e visão europeia
Bayrou tem sido um defensor vocal de diversas causas, incluindo a reforma do processo político, as liberdades civis e o uso de software livre. Durante a campanha presidencial de 2007, descreveu a União Europeia como “a mais bela construção de toda a humanidade”, sublinhando a necessidade de França desempenhar um papel mais relevante nos assuntos europeus. Defendeu a ratificação de uma Constituição Europeia mais concisa e acessível do que a rejeitada em 2005 pelo eleitorado francês.
Em entrevista ao The New York Times em 2007, Bayrou afirmou: “Sou um democrata, um clintoniano, um homem da ‘terceira via'”. Posicionou-se como centrista, apesar dos seus laços históricos com a direita, destacando no seu programa a criação de empregos, a melhoria da educação, melhores condições para os subúrbios problemáticos, a redução dos gastos públicos, o equilíbrio orçamental e o fortalecimento da União Europeia, com a França como líder de facto.
Bayrou também criticou o modelo económico americano durante a presidência de George W. Bush, considerando-o um sistema de “sobrevivência do mais apto” que enfraquecia a classe média e tornava o ensino superior inacessível. Além disso, opôs-se à guerra no Iraque, descrevendo-a como “a causa do caos” na região, e condenou a política externa de Nicolas Sarkozy, incluindo o convite ao líder líbio Muammar Gaddafi para uma visita de Estado e acordos de cooperação militar com a Líbia.
Em 2009, criticou declarações do Papa Bento XVI que alegavam que o uso de preservativos agravava a disseminação da SIDA, classificando-as como “inaceitáveis”. Bayrou sublinhou que a prioridade deveria ser a defesa da vida, especialmente em África, onde “dezenas de milhões de pessoas estão a morrer”.
Além disso, defendeu o boicote francês aos Jogos Olímpicos de 2008 devido ao histórico de direitos humanos da China e à situação no Tibete, criticando também a proteção chinesa ao governo sudanês contra sanções do Conselho de Segurança da ONU pelo envolvimento na crise humanitária em Darfur. Durante um comício em Paris, afirmou: “Se este drama não parar, a França daria um exemplo ao não participar nos Jogos Olímpicos”.
Bayrou é ainda conhecido pelo seu apoio ao regionalismo e pela fluência no idioma bearnês, uma expressão das suas raízes culturais no sudoeste de França.
A nomeação para primeiro-ministro
A nomeação de François Bayrou como primeiro-ministro surge num contexto de instabilidade política na França, com divisões profundas no parlamento. Após a queda do governo liderado por Michel Barnier, Bayrou foi descrito como uma escolha estratégica para tentar unir o parlamento dividido e avançar com a aprovação do orçamento para 2025. Thomas Cazeneuve, deputado do partido de Macron, elogiou Bayrou como “um político experiente que domina a arte do compromisso”.
No entanto, a escolha gerou críticas à esquerda, com figuras como Manon Aubry, da França Insubmissa, a afirmar que Bayrou representa a continuidade do “macronismo” e desrespeita o resultado das eleições legislativas. À direita, Bayrou continua a ser uma figura divisiva, particularmente para Nicolas Sarkozy, seu antigo rival presidencial.
François Bayrou herda a liderança do governo francês num momento de grande incerteza política, sendo esperado que forme um governo capaz de superar divisões e restaurar a estabilidade. A sua longa carreira e a sua reputação como conciliador oferecem esperanças de um futuro político mais coeso, mas o seu sucesso dependerá da sua habilidade para forjar compromissos no atual cenário (muito) polarizado.