
‘O Dia Depois de Amanhã’ está (mais) perto? Cientistas alertam para enfraquecimento da Corrente do Golfo
Um estudo recente do Met Office revela que a Circulação Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês), da qual a Corrente do Golfo faz parte, está a enfraquecer. Embora os cientistas considerem improvável que colapse neste século, o seu declínio poderá ter sérias consequências climáticas para a Europa, os Estados Unidos e outras regiões do planeta.
O papel da AMOC na regulação do clima
A AMOC funciona como uma gigantesca esteira rolante oceânica, transportando águas quentes da região tropical para o Atlântico Norte. Este fenómeno ajuda a manter o clima temperado na Europa Ocidental e na costa leste dos Estados Unidos. Ao chegar ao norte, a água arrefece, torna-se mais densa e afunda, regressando em profundidade para as latitudes mais baixas, completando o ciclo.
Segundo o autor principal do estudo, Dr. Jonathan Baker, do Met Office, “a AMOC tem um papel crucial na regulação do nosso clima; sem ela, as temperaturas no noroeste da Europa seriam muito mais frias”. O investigador destaca que, embora um colapso total não seja previsível nos próximos 75 anos, “o seu enfraquecimento é altamente provável e representará desafios climáticos para a Europa e outras regiões”.
Impactos de um possível colapso
Caso a AMOC colapsasse, a Europa Ocidental enfrentaria um arrefecimento significativo, e haveria alterações climáticas drásticas em todo o mundo. “Um colapso da AMOC poderia provocar condições ainda mais extremas, incluindo tempestades de inverno mais intensas devido ao fortalecimento dos ventos de oeste”, alertou o professor David Thornalley, cientista do clima na University College London.
Segundo Thornalley, “infelizmente, pessoas morreriam devido às tempestades de inverno e às inundações, e muitos idosos e crianças seriam vulneráveis às temperaturas muito frias”. No entanto, sublinha que os impactos no Reino Unido seriam menores comparados com outras regiões do planeta. “A deslocação da faixa tropical de precipitação prejudicaria gravemente a agricultura e o abastecimento de água em vastas áreas, afetando milhões de pessoas”, acrescentou.
Projeções e preocupações científicas
O estudo publicado na revista Nature utilizou 34 modelos computacionais para simular o impacto das alterações climáticas na AMOC. Os resultados indicam que, apesar do enfraquecimento da circulação oceânica, a presença de fortes ventos no Oceano Antártico continuará a puxar água profunda para a superfície, impedindo um colapso total no século XXI.
Mesmo assim, o enfraquecimento da AMOC tem implicações graves. “Uma AMOC mais fraca pode alterar padrões de chuva em escala global, afetar ecossistemas marinhos, reduzir a capacidade dos oceanos de armazenar carbono e acelerar a subida do nível do mar na costa leste dos EUA”, explicou Baker.
O professor Jonathan Bamber, da Universidade de Bristol, concorda que um colapso da AMOC tornaria o clima da Europa Ocidental “irreconhecível”, com invernos semelhantes aos do Ártico Canadiano e uma redução significativa da precipitação. “Invernos extremamente frios representariam uma ameaça à vida humana”, advertiu.
Diferenças entre ficção e realidade
O cenário dramático retratado no filme O Dia Depois de Amanhã (2004), onde o colapso da AMOC desencadeia tempestades apocalípticas em poucos dias, é um exagero cinematográfico. A mudança real ocorreria ao longo de décadas, não de dias.
“Se a AMOC atingir um ponto de ruptura, levará pelo menos várias décadas a concretizar-se”, afirmou Penny Holliday, chefe de física marinha e circulação oceânica no National Oceanography Centre de Southampton. “No entanto, um abrandamento gradual pode levar ao surgimento de eventos meteorológicos mais extremos e violentos, com potencial para causar mortes e danos severos”.
Consequências globais e respostas climáticas
Os cientistas têm alertado que, com o aumento das emissões de gases com efeito de estufa, a AMOC irá inevitavelmente enfraquecer. A gravidade desta desaceleração é incerta, variando de acordo com os modelos climáticos.
Professor Rowan Sutton, do Met Office Hadley Centre, destaca que o estudo “traz novos insights importantes sobre o futuro da AMOC”. Embora sugira que certos aspetos da circulação oceânica possam ser mais resilientes do que se pensava, “isso não altera a expectativa de que a AMOC se debilitará ao longo do século XXI, com impactos climáticos significativos”.
Geoff Vallis, cientista do clima da Universidade de Exeter, reforça que “o estudo não significa, de modo algum, que o aquecimento global deixou de ser um problema grave”. Comparando a situação com um seguro residencial, afirmou: “Acho muito improvável que a minha casa arda nos próximos anos, mas ainda assim compro seguro para me proteger desse risco”.
Em suma, embora o colapso total da AMOC não seja iminente, os cientistas alertam que um declínio progressivo terá consequências climáticas significativas e imprevisíveis. Para evitar os piores cenários, a redução das emissões de gases com efeito de estufa continua a ser uma prioridade global.