
‘Novo normal’ forçou a aceleração da digitalização e “muitas empresas não estavam preparadas”, afirma Miguel Santa Marta, Unit Director na agap2IT
A pandemia da Covid-19 imprimiu um novo ritmo no mercado de trabalho e a produtividade tornou-se a palavra de ordem com muitas a empresas a testar as suas capacidades no formato do teletrabalho. Primeiro, como forma de garantir o distanciamento social mas, cada vez mais, como uma alternativa viável na gestão de recursos humanos.
E neste contexto, a transformação digital já em curso agigantou-se e importa aferir que papel têm as soluções tecnológicas neste novo cenário. Em entrevista à Executive Digest, Miguel Santa Marta, Unit Director na agap2IT, explica como tudo mudou, para os diferentes players, mas como para cada patamar será possível encontrar uma resposta.
Com a experiência da agap2IT no terreno, junto de empresas de diversos setores, com a pandemia, o que mudou nas prioridades das empresas?
Primeiro que tudo, importa referir que aos dias de hoje assistimos a mudanças estruturais na nossa sociedade, o que obviamente se terá que traduzir numa adaptação por parte das empresas, em praticamente todos os setores. Não podemos deixar de notar que existem mudanças inequívocas no comportamento dos consumidores e que isso terá certamente impacto em toda a cadeia de valor das organizações. Para isto, as empresas terão que conseguir garantir a proximidade aos seus clientes, sabendo que no futuro cada vez teremos menos contato presencial. Obviamente, que este não será reduzido a zero, mas certamente será bastante mais reduzido no futuro.
Isto só poderá ser feito com um investimento estruturado e consciente para criar e/ou desenvolver novas ferramentas digitais. É verdade que há muito que se fala em transformação digital, mas é este o momento em que as empresas compreenderam que não podem ficar para trás e que terão que colocar todos os seus esforços na digitalização das suas organizações de maneira a conseguirem acompanhar a evolução do mercado atual. Importa ressalvar que toda a transformação que se tem falado nos últimos três meses, em pouco se refere, a tendências totalmente novas, muitas delas estão sim a ser aceleradas neste contexto de pandemia.
Acredito que as principais prioridades neste momento estejam centradas no cliente, na inovação, na liderança e proximidade às equipas, mas, acima de tudo, em conseguirmos ser ágeis de forma a garantir todas estas transformações cruciais para todos os negócios.
Que leitura faz da opção teletrabalho para as empresas portuguesas? Como prevê a sua evolução?
No contexto português, é curioso que muitas empresas por motivos de segurança e responsabilidade para com os seus colaboradores, começaram em teletrabalho ainda antes do governo anunciar a sua obrigatoriedade, o que mostra que era algo para o qual já se vinham a preparar no passado. Parece-me claro que nem todas as funções poderão ser realizadas através de casa e isso não irá mudar no pós-pandemia, mas aquelas para as quais existe essa possibilidade acredito que muita coisa se irá alterar de forma vinculativa. Talvez não estejamos a falar de teletrabalho de forma permanente, mas regimes híbridos poderão também ser uma solução, tal como já é aplicado em muitas empresas no nosso mercado. Uma coisa é certa, o trabalho remoto vem para ficar e já temos grandes empresas a propor aos seus trabalhadores a possibilidade de trabalharem em casa de forma permanente.
No contexto do nosso mercado, é verdade também que ainda temos muitas empresas com um pensamento demasiado conservador no que toca a este tema, no entanto, cabe também aos colaboradores provarem durante este período serem capazes de produzir e entregar com a mesma qualidade (ou melhor) do que anteriormente.
O teletrabalho tem que ser visto também como uma ferramenta de captação e retenção de talento. As novas gerações são cada vez mais exigentes com os seus empregadores e certamente este será um fator de enorme importância na estruturação das suas carreiras. Quanto menos tempo despendermos em deslocações para efeitos de trabalho, mais tempo temos para a nossas famílias e para os nossos hobbies, o que certamente se traduz em melhor qualidade de vida.
Que papel assumem as soluções tecnológicas neste ‘novo normal’?
As soluções tecnológicas são fundamentais para que todo este processo de “nova normalidade” decorra sem impactos negativos para as organizações. Tanto do ponto de vista da relação com os clientes como também na relação com os colaboradores.
Para se perceber a importância destas ferramentas podemos analisar o crescimento da plataforma Microsoft Teams, que no final de março atingiu o recorde diário de 2,7 mil milhões de minutos de reuniões em apenas um dia. Isto são números que explicam bem a importância de mantermos a proximidade dos diversos intervenientes do dia-a-dia de uma empresa. Como esta, existem outras também de relevante dimensão e que estão a crescer de dia para dia.
Agora não nos podemos esquecer do esforço tecnológico a que esta mudança de paradigma levou a um elevado número de empresas. Temos que ter em conta a escalabilidade das soluções e a capacidade de adaptação das equipas (o que exigiu em alguns casos muita formação). Em determinados casos, trata-se de um reforço de investimento numa estratégia de transformação digital já em andamento, enquanto que noutros trata-se mesmo de um redirecionamento de investimento, “forçando” uma aceleração na digitalização, algo para o qual essas empresas ainda não estavam preparadas.
A pandemia trouxe uma crise sanitária mas também económica e social. Que peso podem ter estas soluções numa melhor gestão ou até na redução de custos para as empresas mais afetadas?
O impacto na gestão e nos custos é direto, dependendo sempre da forma de trabalhar que as empresas irão adotar. Falando do teletrabalho, analisemos por exemplos os custos associados a um posto de trabalho num escritório no centro da cidade. Se as empresas abrirem as portas ao trabalho remoto, mesmo que não seja total, mas eventualmente parcial, aí poderíamos otimizar de forma exponencial os custos associados. Isto não significa obrigatoriamente que as empresas mudem para espaços mais pequenos, em muitos casos será uma solução para teremos melhores condições para investir no crescimento e no futuro da organização.
No que toca às empresas mais afetadas por esta crise, elas terão que se adaptar consideravelmente. Não só no que toca a temas de teletrabalho, redução de custos, gestão de colaboradores e afins. Neste momento já assistimos a um movimento muito interessante em que algumas empresas adaptaram os seus modelos de negócio a
pensar no pós-pandemia. Isto exigiu uma forte agilidade e uma grande capacidade de adaptação, mas permitiu-lhes garantirem a sustentabilidade dos seus negócios e o trabalho de muitos dos seus funcionários, algo que nestas crises repentinas tem uma importância enorme. Neste sentido, é importante que as empresas aproveitem este período para redefinir estratégia e, assim, tornarem-se mais atrativas para os seus clientes.
O que mudou na estratégia da agap2IT com a pandemia? Que novos desafios trouxe a pandemia?
Na realidade, a nível estratégico pouco mudámos. Sendo nós uma consultora de tecnologia e sistemas de informação, é nossa obrigação já termos o nosso negócio direcionado para o digital. Antes da pandemia restruturámos a nossa oferta de modo a adaptá-la cada vez melhor à realidade do mercado atual. Obviamente esse novo alinhamento parte do pressuposto que vivemos numa altura de forte aceleração tecnológica e em constante transformação, algo que não mudou com o atual contexto, mas apenas acelerou ainda mais.
Claro que estamos a redefinir também a estratégia de cliente e a olhar para sectores que necessitam de maior transformação com o objetivo de sermos uma alternativa nesse sentido, mas isso está mais relacionado com novos posicionamentos e não tanto com uma alteração de estratégia global.
No que toca a desafios, aí temos muitos e temos tentado responder da melhor forma a todos eles. Apesar de na área tecnológica o trabalho remoto ser uma realidade mais comum quando comparado com outros sectores, não deixou de ser complicado praticamente de um dia para o outro transferirmos mais de 400 colaboradores para suas casas. Felizmente tivemos a agilidade necessária para o fazer e, para isto, muito contribui a ajuda dos nossos clientes também. Depois temos a motivação diária e a capacidade de manter as equipas a entregar com a mesma celeridade e qualidade. Aqui podemos dizer que foi um sucesso, as nossas equipas superaram as expetativas e demonstraram um excelente sentido de responsabilidade e compromisso.
A pandemia obrigou-nos também a estarmos muito próximos dos nossos clientes, sendo que alguns deles atuam em setores que sofreram um forte impacto com a pandemia. Aqui obrigou-nos a trabalhar com estes em diferentes soluções para garantirmos a continuidade dos seus negócios, ajudando assim a reduzir ao máximo o impacto que uma situação destas pode ter.
Com isto, acredito fazer sentido referir que os maiores desafios ainda irão surgir, tanto no que toca ao negócio, mas também na maneira como gerimos o dia-a-dia das nossas empresas. No entanto, acredito que em Portugal temos uma forte capacidade de superação e que sairemos ainda mais fortes desta situação, tornando-nos ainda mais atrativos para o mercado externo.