NATO, Ucrânia, Médio Oriente, crise climática… Os impactos esperados da vitória de Trump nas questões globais mais urgentes

Donald Trump vai mesmo regressar à Casa Branca, com uma esmagadora vitória sobre Kamala Harris, segundo indicam os dados preliminares e as projeções, e as repercussões de um segundo mandato já são tema de intenso debate global. Defensores do ex-presidente americano afirmam que a sua imprevisibilidade é uma estratégia para dissuadir atores hostis e permitir avanços em questões mundiais complexas. Richard Grenell, antigo diretor de inteligência nacional de Trump e potencial nomeado para secretário de Estado numa nova administração, declarou ao Financial Times: “A previsibilidade é terrível… claro que o outro lado [inimigos da América] quer previsibilidade. Trump não é previsível.”

Enquanto Trump promete reforçar o que considera uma posição desvalorizada dos Estados Unidos no cenário mundial com a sua abordagem “América Primeiro,” os aliados americanos também tentam antecipar os efeitos desta política, sobretudo devido ao histórico de Trump em reverter compromissos diplomáticos e aproximar-se de líderes autoritários. Nesse contexto, o que a vitória de Trump pode significar para alguns dos maiores desafios globais?

Israel e um possível reforço no conflito no Médio Oriente

Trump apelou publicamente ao fim do conflito entre Israel e Gaza, mas, em privado, deu apoio ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, nas ações contra o Hamas e o Hezbollah. De acordo com fontes, Trump teria encorajado Netanyahu numa chamada recente, afirmando: “Faz o que tiveres que fazer.” Durante o seu primeiro mandato, Trump mudou a embaixada americana de Telavive para Jerusalém e reconheceu as Colinas de Golã como território israelita — medidas que enfureceram palestinianos e romperam com décadas de política externa americana.

Um segundo mandato, segundo Brian Katulis, investigador do Instituto do Médio Oriente, “poderia incentivar Israel a agir ainda mais agressivamente, sem qualquer restrição.” Para Trump, dizem analistas, a prioridade será a defesa de Israel, sem limitações a eventuais respostas contra o Irão ou movimentos de retaliação por parte do Hezbollah ou do Hamas. Este possível apoio incondicional ocorre num cenário em que Trump também pretende expandir os Acordos de Abraão, tratados que normalizaram relações entre Israel e quatro estados árabes.

NATO: aliados preparam-se para redução do apoio americano

Durante o seu primeiro mandato, Trump adotou uma postura crítica em relação à NATO, pressionando os membros por dependência financeira dos EUA. Em discursos recentes, Trump sugeriu que incentivaria a Rússia a atacar países que não aumentassem o investimento em defesa e até considerou a saída da aliança, que tem 75 anos e foi criada para conter a União Soviética. Embora analistas europeus não acreditem numa retirada total, o ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton afirmou ao Washington Post que “Trump nunca perdeu o desejo de sair.”

Em resposta, membros da NATO, como os Estados Unidos e a União Europeia, têm reforçado o orçamento de defesa e elaborado estratégias para adaptar a aliança à possibilidade de um líder americano cético sobre a sua relevância. Em Bruxelas, as autoridades têm implementado compromissos de defesa a longo prazo para “proteger” a NATO contra futuras mudanças na Casa Branca.

A questão da Ucrânia e potenciais concessões à Rússia

A retórica de Trump em relação à Ucrânia levanta dúvidas entre aliados, uma vez que ele e o futuro vice-presidente, o senador JD Vance, expressaram ceticismo quanto à ajuda financeira a Kiev. Recentemente, Trump comentou: “Sempre que [o presidente ucraniano] Zelensky vem a este país, sai com 60 mil milhões de dólares — é o melhor vendedor de sempre.” Os Estados Unidos já destinaram mais de 64 mil milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia desde a invasão russa de 2022, enquanto a União Europeia e o Reino Unido contribuíram com cerca de 57 mil milhões.

Apesar de algumas autoridades ucranianas considerarem que Trump poderia flexibilizar restrições em relação ao armamento pesado, também temem que ele insista em concessões territoriais a favor da Rússia, o que criaria divisões dentro da Europa. Trump chegou a prometer que resolveria o conflito antes da tomada de posse, embora não tenha apresentado um plano detalhado. Observadores notam ainda que, apesar da simpatia de Trump pelo presidente russo Vladimir Putin, a Rússia não obteve ganhos significativos durante a primeira administração Trump, que impôs sanções duras a Moscovo.

Desafios às normas democráticas

Trump tem manifestado, na campanha, admiração por líderes autoritários e desprezo pelas normas democráticas. Em ocasiões anteriores, sugeriu o uso do exército contra opositores internos e questionou a liberdade de imprensa, retirando, inclusive, os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Especialistas alertam que um segundo mandato poderia incentivar governantes autocráticos, como o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, conhecido por minar a independência judicial, e Putin, que mantém o poder através de eleições manipuladas.

A política de Trump em relação a Taiwan, nomeadamente a sua relutância em comprometer-se com a defesa da ilha contra a China, preocupa observadores. Russell Hsiao, diretor executivo do Instituto Global Taiwan, adverte que o discurso de Trump pode “alimentar o ceticismo” sobre a intenção americana de proteger a ilha. Além disso, a retórica de Trump em relação à Coreia do Norte, sugerindo que a Coreia do Sul deveria financiar a defesa contra um Pyongyang nuclear, tem causado inquietação em Seul.

Possível saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima

Os esforços globais para combater as mudanças climáticas podem ser significativamente prejudicados com a possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, medida prometida por Trump durante a sua campanha. O ex-presidente, que repetidamente ironizou a questão climática, comprometeu-se a revogar dezenas de normas ambientais promulgadas por Biden. Caso isso aconteça, especialistas alertam que as metas globais para conter o aquecimento do planeta podem ser gravemente afetadas.

China: tensões e possíveis escaladas comerciais

Para uma segunda administração, Trump sinalizou o desejo de intensificar as sanções comerciais contra a China, incluindo a proposta de tarifas de 10% a 20% sobre quase todas as importações. Segundo o economista Wu Xinbo, da Universidade Fudan, estas medidas poderiam “afetar severamente as relações comerciais” entre os dois países, resultando em “queda nas exportações chinesas, aumento do desemprego e desaceleração do crescimento económico.”

América Latina e a proposta de uma grande deportação em massa

A imigração também permanece um tema central na campanha de Trump, que prometeu realizar a “maior operação de deportação da história americana.” Tal plano, embora dificilmente realizável em grande escala, poderá impactar drasticamente os Estados Unidos e o México, país que tem fortes laços comerciais e migratórios com os EUA. Em reação às políticas de fronteira de Biden, Trump indicou que poderia impor tarifas de até 100% ao México, caso o país vizinho não aumente o controlo sobre a migração.