Não uma, mas duas greves. Comboios voltam hoje a parar e funcionários públicos saem à rua

Esta sexta-feira o país enfrentará uma série de paralisações que prometem ter um impacto profundo em vários sectores essenciais, incluindo transportes ferroviários, saúde, educação e serviços municipais, particularmente a recolha de resíduos. As greves, convocadas por diferentes sindicatos, têm como principais razões o descontentamento com a estagnação nas condições laborais, os salários e as políticas governamentais que, segundo as organizações sindicais, têm negligenciado as necessidades dos trabalhadores da administração pública e de sectores essenciais.

Assim para hoje, conte com comboios suprimidos (e não apenas da CP), escolhas fechadas, centros de saúde a ‘meio-gás’, recolha de lixo parada e julgamentos adiados nos tribunais, entre outros efeitos em diversos setores da administração pública.

Greve convocada pela FESINAP: exigência de mudanças na administração pública
A greve geral organizada pela Federação Nacional de Sindicatos Independentes da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (FESINAP) terá início à meia-noite de sexta-feira e estender-se-á até às 23h59, abrangendo trabalhadores da administração central, regional e local. Em entrevista à executive Digest vice-secretário-geral da FESINAP, Hélder Sá, sublinha que a paralisação é motivada por várias questões pendentes relacionadas com as condições de trabalho na administração pública.

“O que nós queremos ver resolvido tem a ver fundamentalmente com a avaliação do desempenho e a melhoria dos índices remuneratórios. O Governo tem de resolver os problemas das forças de segurança, dos médicos, enfermeiros e professores, mas também dos trabalhadores das carreiras gerais da administração pública”, afirma Helder Sá.

Entre as principais reivindicações da FESINAP está a recuperação dos pontos perdidos na avaliação de desempenho de 2005 a 2007 e de 2011 a 2017, que foram prejudiciais para a progressão nas carreiras de muitos trabalhadores. Sá destacou que essa recuperação permitiria aos trabalhadores subir na sua progressão salarial, principalmente nas carreiras mais baixas da administração pública.

“Essas recuperações são fundamentais para que os trabalhadores possam ver refletido o seu esforço ao longo dos anos e para que a sua carreira seja valorizada de forma justa”, explicou o dirigente sindical.

Além disso, Sá acusou o Governo de ignorar as especificidades de alguns sectores e os seus desafios. Por exemplo, no sector da educação, os trabalhadores não docentes, como os assistentes operacionais, têm exigido uma carreira própria, que lhes garanta melhores condições salariais e de progressão. Contudo, recentemente, o Ministro da Educação afastou a possibilidade de criação desta carreira especial, o que tem gerado grande desconforto entre os trabalhadores.

“O Ministro da Educação diz que a solução para os assistentes operacionais é recriar as suas funções, mas ele desconhece por completo o que se passa nas escolas. A ideia de que se pode deixar os trabalhadores a dedicar-se apenas às funções educativas, sem garantir uma carreira que dignifique o seu trabalho, não é aceitável”, disse Sá.

Este descontentamento tem sido sentido principalmente nas escolas, onde os trabalhadores não docentes se têm mobilizado em massa. Além disso, a recente descentralização dos serviços educativos, que transferiu a gestão de várias escolas para os municípios, tem dificultado ainda mais a situação dos trabalhadores, que agora são contratados pelos municípios, mas estão sob as orientações do Ministério da Educação.

“Os trabalhadores não docentes são funcionários dos municípios, e não do Ministério da Educação. O Governo não pode dar ordens sobre esses trabalhadores, mas sim procurar uma articulação entre os municípios e o ministério para melhorar as condições de trabalho”, sublinha o responsável.

Além disso, a situação dos trabalhadores de saúde continua a ser um foco de contestação. Embora a carreira de técnico auxiliar de saúde tenha sido implementada em janeiro, ainda existem Unidades Locais de Saúde que não integraram os profissionais na lista de carreiras, o que tem gerado grande frustração entre os trabalhadores. A paralisação dos trabalhadores da saúde deverá afetar principalmente os serviços não urgentes, mas também comprometerá a eficiência de várias unidades de saúde.

“Os técnicos auxiliares de saúde são uma peça fundamental nos hospitais e centros de saúde. A sua integração na carreira é essencial, mas muitos desses profissionais ainda não estão reconhecidos da forma que merecem”, afirma Hélder Sá.

De acordo com o pré-aviso de greve, a paralisação dos trabalhadores em funções em estabelecimentos de saúde cedidos pelo Instituto de Segurança Social (ISS) ou pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), vai decorrer entre as 00:00 e as 24:00 do dia 6 de dezembro, estando assegurados os serviços mínimos.

Os serviços mínimos serão assegurados nos serviços que funcionem ininterruptamente 24 horas por dia, nos sete dias da semana.

Serão também assegurados os tratamentos de quimioterapia e hemodiálise já anteriormente iniciados.

Greve dos maquinistas: serviços mínimos e acusações de falta de segurança
Simultaneamente, a greve convocada pelo Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) também afetará a circulação ferroviária. O Tribunal Arbitral decretou a realização de serviços mínimos, fixando a cobertura de 25% dos comboios nos serviços urbanos, regionais e de longo curso. No entanto, as paralisações, que começaram com um pré-aviso de greve no início da semana, visam protestar contra as condições de trabalho e de segurança no sector ferroviário.

A greve dos maquinistas surge após uma série de declarações polémicas por parte do Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que afirmou que Portugal tem o segundo pior desempenho em termos de acidentes ferroviários na Europa, associando essa realidade à sinistralidade e à taxa de alcoolismo dos maquinistas.

“O Governo está a responsabilizar os maquinistas sem olhar para as reais condições de trabalho. Exigimos condições de segurança adequadas e esclarecimentos sobre as declarações do ministro, que foram extremamente prejudiciais e desinformadas”, disse o SMAQ em comunicado.

O sindicato disse ter avançado para a greve face à ausência de clarificação do Governo sobre a relação entre sinistralidade ferroviária e taxa de álcool destes trabalhadores e para exigir condições de segurança adequadas.

“O Smaq – Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses decidiu avançar com um pré-aviso de greve geral para o dia 6 de Dezembro de 2024, com impactos no dia 5 e dia 7, nas sete empresas onde tem representação: CP – EPE, Fertagus, MTS – Metro do Sul do Tejo, ViaPorto, Captrain, Medway e IP – Infra-Estruturas de Portugall”, informou então aquela estrutura. Assim, desta vez a greve não afetará apenas os comboios da CP mas também os da Fertagus e o serviço do Metro Sul do Tejo e o Metro do Porto.

Em resposta às acusações, o Ministério das Infraestruturas e Habitação tem procurado abrir diálogo com o sindicato, mas a falta de clareza nas medidas de segurança tem levado à radicalização da paralisação. As perturbações nos serviços ferroviários estão já previstas, e a CP, a principal operadora de comboios, alertou os passageiros para os impactos da greve, principalmente nos serviços de Alfa Pendular, Intercidades e InterRegionais. A CP anunciou que os passageiros poderão pedir o reembolso total ou alterar as suas viagens para outro comboio da mesma categoria.

Serviços municipais: a luta por melhores condições de trabalho
A greve também terá um impacto significativo nos serviços municipais, em particular na recolha de resíduos urbanos e na limpeza pública. Os trabalhadores destes serviços têm lutado por melhores condições salariais, uma vez que os seus salários continuam a ser baixos, especialmente considerando as funções insalubres e de risco que desempenham.

“Os trabalhadores da limpeza urbana e da recolha de resíduos estão entre os mais mal pagos da administração pública, e continuam a ser esquecidos pelos orçamentos de Estado. Não há reconhecimento pelo trabalho árduo que desempenham, muitas vezes em condições precárias e perigosas”, afirmou Sá, referindo-se a uma das grandes queixas dos trabalhadores municipais.

Com a greve marcada para hoje, é expectável que a recolha de lixo seja fortemente afetada em várias cidades do país, agravando a situação de cidades que já enfrentam dificuldades na gestão de resíduos.

Expectativas e consequências a longo prazo
A FESINAP e outros sindicatos envolvidos nas greves esperam “grande adesão” por parte dos trabalhadores, especialmente nas áreas da educação, saúde e serviços municipais. Hélder Sá antecipou que a insatisfação continuará a crescer caso o Governo não tome medidas concretas para resolver os problemas identificados.

“Estamos crentes que o sector da educação e o sector da saúde terão os maiores impactos. Mas os trabalhadores dos serviços municipais também estarão fortemente mobilizados. Esta greve é um aviso claro ao Governo de que a situação precisa de mudar”, concluiu Sá.

Além disso, a possibilidade de novas acções de protesto está em aberto, com os sindicatos a indicarem que, caso as reivindicações não sejam atendidas, novas greves poderão ocorrer nos próximos meses. O Executivo terá, portanto, de lidar com um descontentamento crescente em sectores essenciais, o que poderá gerar novos desafios na gestão dos serviços públicos.

“Iremos avançar com mais formas de luta. A partir de janeiro, portanto, nas nossas delegações irão a vários locais de trabalho, iremos ouvir os trabalhadores para saber, realmente, para além das propostas que nós temos feito, quais são outras propostas que os trabalhadores entendem e atitudes e formas de luta, dentro da lei logicamente, que devem ser tomadas para manifestar o seu descontentamento e para obrigar o Governo a olhar também para quem está na base da Administração Pública, que são os trabalhadores das carreiras gerais”, termina Helder Sá à Executive Digest.

O Governo, por sua vez, tem procurado demonstrar abertura para o diálogo, mas ainda não apresentou soluções claras para as reivindicações em questão. A aprovação recente do Orçamento de Estado para 2025 não resolveu as questões centrais levantadas pelos sindicatos, e a pressão sobre o Executivo deverá aumentar nos próximos meses, à medida que as greves e protestos se intensificam.

O dia de hoje será, portanto, um teste importante à capacidade de negociação do Governo e à força das reivindicações dos trabalhadores. Enquanto isso, a população e os serviços públicos terão de lidar com as consequências destas paralisações, que certamente afetarão a rotina de milhões de portugueses.