“Não estamos disponíveis para compactuar com isto”: Médicos internos reclamam exaustão e recusam qualquer aumento das horas extraordinárias
“É preciso gente para trabalhar”. Esta foi a mensagem deixada esta segunda-feira por uma interna de Medicina, a falar em representação dos mais de 500 médicos internos que já comunicaram ao Ministério da Saúde que se recusam a fazer horas extraordinárias acima das 150 anuais atualmente previstas na lei.
No passado dia 19 de agosto, um grupo de 416 internos enviaram uma carta aberta à ministra da Saúde, Marta Temido, a declaram que não estão disponíveis para ultrapassar o limite legal das horas extra. A missiva não recebeu ainda qualquer resposta da tutela, mas o número de recusas continua a crescer.
“Sabemos que os especialistas estão também cansados e que muitos deles reivindicam as mesmas coisas que nós”, afirmou Sara Pereira, interna do 5.º do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, à saída de reunião com a Ordem dos Médicos.
“Sinto falta de ter tempo para estudar, para escrever artigos, para executar técnicas, porque estamos assoberbados de turnos”, denuncia, acrescentando que “largamente ultrapassamos o limite das 150 horas, porque é preciso gente e nós temos um sentido de missão”.
“Estamos exaustos” e “temos colegas, inclusivamente, em burnout”, explica Sara Pereira, apontando que o problema não se resume aos serviços de urgência externa, mas também interna, pois “muitas vezes somos chamados a cobrir turnos de urgência interna, porque quando um doente descompensa nas nossas enfermarias, nós é que temos de ir lá”. E é frequente o cenário em que existe somente um único interno para 150 doentes.
Relativamente à proposto avançada pelo Governo para aumentar em 35 euros o custo das horas extraordinárias além das 150, Sara Pereira diz que “simplesmente queremos que se cumpra a lei”. “Não queremos trabalhar mais do que aquilo que é exigido por lei, porque nós estamos exaustos”.
Sobre o facto de um médico tarefeiro poder ganhar mais do que um interno, a médica aponta que “é uma sensação de ingratidão e de injustiça”, mas, reconhece, “nem sequer estamos focados nisso, só queremos descansar”.
“Não conseguimos assegurar, da maneira que as coisas estão, os serviços de urgência e, consequentemente, o internamento”, lembra Sara Pereira a Marta Temido, “porque se um médico é escalado vezes sem conta para urgências, vai faltar ao internamento”.
As medidas tomadas até agora pelo Governo “não estão a resolver nada”, denuncia, que garante ter “a certeza absoluta” que a crise nas urgências vai agravar-se durante o outono e o inverno. “Por um lado, porque todos os anos acontece, e por outro, porque já vimos o descalabro que foi durante a pandemia.”
“Temos a certeza de que vai haver lacunas neste inverno” e “não estamos disponíveis para compactuar com isto”, lança Sara Pereira. “Precisamos de medidas sérias.”
“Se não nos for dada a mínima garantia de que temos condições de segurança e de reconhecimento pelo trabalho que fazemos, muitos de nós acabam por desistir”, refere a formanda, apontando que “não há falta de médicos”, mas que “há sim falta de médicos a sujeitarem-se a isto a que nos obrigam”.
Os bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, afirmou que “os médicos não podem continuar a ser escravos do sistema” e que esta “é uma situação totalmente inaceitável”.