
Moradores de antigo colégio em Massamá obrigados a sair até 11 de maio: Câmara de Sintra põe fim a negócio de alojamento informal
A Câmara Municipal de Sintra determinou a evacuação total do antigo Externato Novos Rumos, em Massamá, até 11 de maio, dando fim à ocupação habitacional informal que ali decorria. A decisão, justificada pela ausência de licenciamento e pelas más condições do edifício, afeta cerca de 100 moradores, maioritariamente imigrantes em situação regular. Caso não abandonem o local até à data indicada, a autarquia avançará com o despejo forçado.
A notificação foi formalizada através de um edital publicado a 10 de abril pelo Departamento de Polícia e Fiscalização Municipal, mas os moradores receberam o aviso a 7 de abril. A decisão seguiu-se a uma operação de fiscalização realizada a 18 de março pela Polícia de Segurança Pública (PSP), em conjunto com a ASAE, a União de Freguesias de Massamá e Monte Abraão e a própria Câmara de Sintra. As autoridades concluíram que o edifício, originalmente um colégio, se encontrava degradado, com infiltrações, humidade, instalações sanitárias precárias e sobrelotação dos 48 quartos utilizados para alojamento.
Segundo reportado pelo jornal Público, muitos residentes eram mães solteiras com filhos, sem alternativas habitacionais acessíveis. O custo por quarto rondava os 400 a 500 euros mensais. O vereador da Habitação da Câmara de Sintra, Eduardo Quinta Nova, justificou a medida com base legal: “A câmara tem de garantir o princípio da legalidade”, afirmou, sublinhando a inexistência de licença para uso habitacional. A autarquia orientou os residentes para os serviços sociais e, em alguns casos, tem prestado apoio financeiro à procura de soluções alternativas.
A situação em Massamá não é isolada. No dia seguinte à operação naquele local, foi realizada uma ação semelhante num prédio em Queluz, onde 18 agregados familiares viviam no primeiro andar em condições semelhantes. Também aqui foram encontradas infiltrações, degradação acentuada e utilização indevida do espaço para habitação. O imóvel não possuía qualquer licença para esse fim. Uma das famílias, com uma mulher grávida, foi prontamente acompanhada pela autarquia, que disponibilizou um quarto numa pensão — proposta que acabou por ser recusada.
As duas estruturas eram exploradas pelos mesmos indivíduos: Miguel Ribeiro e Nuno Alves. O primeiro é familiar dos proprietários dos imóveis em Massamá e Queluz, enquanto o segundo geria diretamente os arrendamentos, publicitando os quartos em redes sociais. Estima-se que os rendimentos do negócio ultrapassassem os 30 mil euros mensais. Apesar de Miguel Ribeiro ter informado a autarquia das suas intenções quanto ao antigo externato, nunca deu entrada num processo de licenciamento, o que levou à instauração de um auto de contraordenação. Já no caso de Queluz, nenhuma comunicação foi feita.
O cenário repete-se: António (nome fictício), de 67 anos, com rendimentos inferiores ao salário mínimo, viu-se forçado a alugar um quarto no prédio de Queluz após um processo de separação. “Se disser que tem boas condições estaria a mentir. Mas onde é que a gente vai arranjar condições?”, declarou ao PÚBLICO. Como muitos outros, encontrou o quarto através do Facebook ou por boca-a-boca, recorrendo a esta solução por desespero, apesar das condições indignas.
A Câmara de Sintra detetou ainda uma terceira tentativa de transformar um espaço comercial — um antigo stand da Laranjeiras Motors no Cacém — em habitação. Composto por 32 lojas distribuídas por dois pisos, o edifício encontrava-se em obras para criação de quartos com pladur. As obras foram embargadas, e levantado um auto por contraordenação.
A proliferação destes alojamentos informais está ligada a uma crise habitacional estrutural. Um estudo recente do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra indica que cerca de 16% do arrendamento na Área Metropolitana de Lisboa é informal. Rita Silva, coautora do estudo e membro do movimento Vida Justa, alerta: “As situações informais existem e proliferam porque temos um mercado de arrendamento formal que é extremamente inacessível.” Um relatório da Autoridade Tributária reforça esta tendência, apontando para uma taxa de informalidade de 60% no mercado.
O vereador Eduardo Quinta Nova reconhece a pressão que a imigração exerce sobre a habitação no concelho: “Isto não deve servir para sermos contra a imigração. Precisamos das comunidades migrantes. Mas estamos a correr contra o tempo e precisamos de encontrar rapidamente respostas para estabilizar a oferta habitacional do país”, sublinhou. Lembrou ainda o sucesso do Plano Especial de Realojamento (PER) nos anos 1990, que erradicou os bairros de barracas em Sintra, defendendo medidas públicas de resposta urgente e eficaz.
Helena Roseta, ex-vereadora da habitação em Lisboa, defende a criação de uma plataforma pública para denúncias anónimas de situações de indignidade habitacional, com o objetivo de revelar a verdadeira dimensão do problema: “Tenho um instinto de que o problema é muito maior. Estamos muito longe de saber o que se passa”, afirmou ao mesmo jornal, acrescentando que o país já respondeu a desafios semelhantes no passado, como o da descolonização. “Portanto, também é capaz de fazer o que tem que fazer agora. Mas temos que falar a verdade.”