Montenegro “saúda pausa de 90 dias” nas tarifas retaliatórias a Trump, mas avisa que é apenas temporária. Medidas de resposta custarão mais de 10 mil milhões de euros

Primeiro-ministro anunciou ainda que Portuga irá atingir a meta dos 2% do PIB investidos na defesa mais cedo do que 2029, como estava previsto.

Pedro Gonçalves
Abril 10, 2025
13:21

Na sequência do Conselho de Ministros desta quinta-feira, o primeiro-ministro Luís Montenegro dirigiu-se ao país num briefing centrado na crise provocada pela imposição de tarifas pelos Estados Unidos. O chefe do Governo português começou por enquadrar a situação num contexto global, sublinhando que “o mundo que várias gerações de portugueses conheceram mudou”, com a paz e o crescimento económico das últimas décadas a estarem agora sob ameaça. Segundo referiu o líder do Governo, foram já preparadas medidas para responder aos impactos das tarifas e taxas retaliatórias, num pacote de mais de 10 mil milhões de euros.

Montenegro alertou que “as capacidades de dissuasão e defesa são essenciais”, não apenas para a segurança, mas também como alicerce para o desenvolvimento económico e para a sustentabilidade do Estado social. “Pode parecer distante, mas a crescente instabilidade e incerteza”, exemplificada por guerras e ataques cibernéticos, “afetam a economia e a segurança dos portugueses”, declarou, acrescentando: “Crescimento económico e segurança estão colocados em causa e exigem sentido de responsabilidade”.

Defesa: meta de 2% do PIB será antecipada
Numa das principais novidades do briefing, Montenegro anunciou que Portugal vai antecipar a meta de investimento em Defesa de 2% do PIB, compromisso assumido em 2014 no seio da NATO e inicialmente previsto para ser cumprido até 2029. “Portugal não pode continuar a adiar o investimento em Defesa”, defendeu o primeiro-ministro, acrescentando que esta aposta deve ser entendida “não como uma passagem de um cheque, mas como um investimento”.

A antecipação deste objetivo representa, nas palavras do líder do Governo, uma “oportunidade” para o país. O executivo pretende reforçar a produção nacional e potenciar a capacidade exportadora, nomeadamente na área da tecnologia aplicada à Defesa. Montenegro destacou, nesse sentido, o potencial de setores como o dos drones de última geração, o setor aeronáutico e o setor marítimo.

Estratégia nacional para a indústria de Defesa
O primeiro-ministro revelou ainda que os ministros das Finanças, da Economia, da Defesa e da Coesão Territorial estão a trabalhar de forma “estreita” numa estratégia “ambiciosa” para a indústria de Defesa. Esta estratégia visa dinamizar a economia nacional e criar emprego, e contará com um apelo ao “consenso político nacional e amplo”.

Relações com os EUA e resposta à crise das tarifas
No plano externo, Montenegro sublinhou a “sólida amizade e intensa relação política e económica” entre Portugal e os Estados Unidos, recordando que ambos os países são fundadores da NATO e que existe entre eles um acordo bilateral de defesa. No entanto, o primeiro-ministro não escondeu a preocupação com o recente aumento das tarifas norte-americanas, que foi entretanto suspenso por 90 dias.

“O aumento de tarifas que os EUA começaram a aplicar, mas que suspenderam, ameaça o crescimento económico mundial e pode conduzir a um conflito comercial que não beneficia ninguém”, advertiu Montenegro, saudando a pausa de 90 dias como um sinal de que “não é tempo para declarações irrefletidas”.

Montenegro apelou à continuidade das negociações no seio da União Europeia e deixou o aviso de que a suspensão das tarifas é apenas temporária: “Temos de ter o trabalho de casa feito dentro de portas e à escala europeia”, disse, lembrando que “o protecionismo geral fragiliza as relações económicas internacionais”.

Impacto na economia portuguesa e resposta em dois planos
O primeiro-ministro alertou que os mercados financeiros já estão a reagir com instabilidade à ameaça tarifária, antecipando os efeitos negativos que as medidas poderão ter na vida das pessoas e das empresas. Portugal, disse, é uma “economia aberta” cujo crescimento assenta nas exportações para mercados diversificados, e algumas dessas exportações “podem ser atingidas de forma direta”, enquanto a economia nacional poderá sofrer “efeitos indiretos”.

Face a este cenário, Montenegro anunciou que o Governo está a preparar uma resposta “em dois planos”: um plano externo, com coordenação europeia, e um plano interno, com medidas nacionais dirigidas aos setores mais afetados. “Em ambos os planos é necessário conhecimento aprofundado, prudência e firmeza”, alertou, sublinhando que “reações impulsivas só agudizam problemas”.

O Governo português tem mantido, “com recato”, uma “comunicação diária com a Comissão Europeia e com parceiros europeus” nas últimas semanas. Agora que se conhecem as medidas norte-americanas, a União Europeia, segundo Montenegro, está a preparar “uma resposta adequada, que reflita unidade europeia, resposta robusta e proporcional e defesa dos interesses dos Estados-membros”.

Pacote de apoio superior a 10 mil milhões de euros
No seguimento de “intensos contactos” com os parceiros europeus e com os setores económicos nacionais, o primeiro-ministro anunciou que o Governo preparou um pacote de medidas de apoio com “volume superior a 10 mil milhões de euros”, que será apresentado em breve pelo ministro da Economia.

Este pacote, explicou, integrará medidas para mitigar o impacto da crise tarifária, ao mesmo tempo que visa reforçar a competitividade das empresas portuguesas. Montenegro deixou uma promessa: “Faremos o trabalho de casa para aumentar a competitividade da nossa economia e proteger os setores mais vulneráveis”.

Ministro da Economia apresenta medidas do Programa Reforçar
Em seguida, foi anunciado um incremento do programa Reforçar, um pacote de apoio às empresas com um valor superior a 10 mil milhões de euros, criado para responder ao impacto económico das tarifas impostas pelos Estados Unidos. A apresentação esteve a cargo do ministro da Economia, Pedro Reis, que descreveu as medidas como uma resposta estrutural que vai além da atual crise comercial. “Este pacote vai ser implementado independentemente do que venha a acontecer nos próximos rounds de negociação”, garantiu.

Segundo Pedro Reis, o objetivo principal é “compensar a competitividade que se perde” com o aumento das tarifas e as suas repercussões noutros mercados. O Governo quer garantir custos de financiamento mais baixos, apoiar o investimento e reforçar as exportações para além dos EUA.

O programa está organizado em quatro eixos fundamentais:

  • Linha do Banco de Fomento
    Uma nova linha de crédito superior a 5 mil milhões de euros, com garantias competitivas, candidaturas simples e contratação automática, permitirá às empresas reforçarem o seu fundo de maneio e capacidade de investimento. O ministro sublinhou que o modelo inclui pré-aprovações para facilitar o acesso e acelerar a resposta às necessidades urgentes das empresas.
  • Linha de apoio de 3500 milhões de euros
    Uma nova linha com maturidades a quatro e a 12 anos, parte da qual poderá ser convertida em apoios a fundo perdido e subvenções, foi apresentada como uma forma de “reforço de capital” para as empresas nacionais. Pedro Reis realçou que esta medida é especialmente importante para as empresas mais expostas à volatilidade dos mercados internacionais.
  • Reforço dos seguros de crédito
    O Governo vai aumentar os plafonds em 1200 milhões de euros para cobrir riscos de exportação, não só em mercados emergentes, mas também em mercados tradicionais. Serão ainda bonificadas apólices e prémios, democratizando o acesso a estes seguros, sobretudo para PME exportadoras. Esta era uma reivindicação antiga de várias associações empresariais.
  • Promoção da internacionalização
    O quarto eixo do programa centra-se na expansão dos apoios à internacionalização, permitindo às empresas participarem em mais feiras internacionais, reforçarem estratégias de marketing e aumentarem a sua presença nos mercados externos. “Pode fazer a diferença”, afirmou o ministro.

Medidas chegam já no próximo trimestre
O Governo quer garantir que a maioria destas medidas esteja operacional já no próximo trimestre, abrangendo todas as empresas com base em Portugal, independentemente da sua dimensão. O programa surge como uma resposta integrada que, segundo Pedro Reis, responde “por inteiro” aos apelos de empresas e associações empresariais registados nos últimos meses.

O ministro da Economia fez questão de destacar a dimensão inédita do programa: “É quase equivalente a 60% do PRR inteiro”, disse. Em comparação com Espanha, este pacote teria um valor proporcional de 60 mil milhões de euros, o que, segundo Pedro Reis, demonstra o esforço excecional do Governo português. “É quase quatro vezes a dimensão do programa espanhol”, apontou.

Pedro Reis sublinhou ainda que, embora o programa tenha sido “acelerado e reforçado” pela crise tarifária, a sua lógica é estrutural e está alinhada com a estratégia de internacionalização e sustentabilidade da economia portuguesa. “Os últimos dias mostraram que estamos longe da estabilização”, disse, reforçando a necessidade de agir com visão estratégica e não apenas reativa.

Pedro Reis garante: “Não vai haver défice em Portugal, isso é claríssimo”
O ministro da Economia, Pedro Reis, defendeu que o novo programa de apoio às empresas, no valor global superior a 10 mil milhões de euros, é também uma resposta orçamental prudente e responsável, capaz de proteger a economia portuguesa mesmo num cenário de instabilidade prolongada. “Não vai haver défice em Portugal, isso é claríssimo”, declarou, reforçando que o importante é mitigar riscos e garantir que o país continua a crescer.

Perante os jornalistas, Pedro Reis respondeu a preocupações sobre as previsões de défice para 2026, sublinhando que a existência deste programa é, na verdade, um fator de confiança. “Ficava preocupado era se não conseguíssemos apresentar um programa desta magnitude. Este programa pode ter o efeito de blindar a nossa sustentabilidade e proteger o crescimento”, disse.

Apesar de admitir que “ninguém pode dar a garantia de que não há défice”, o ministro afirmou que o Governo fará “tudo” para que isso não aconteça. Com uma “nota completamente realista”, avisou que medidas protecionistas prejudicam o investimento e alimentam a incerteza. “A economia alimenta-se de previsibilidade”, vincou.

Pedro Reis destacou ainda que o programa está desenhado com equilíbrio orçamental: as subvenções estão limitadas a 400 milhões de euros e o modelo assenta em garantias do Banco de Fomento, que ativa os seus mecanismos de reforço sem comprometer diretamente os cofres públicos. “A beleza deste modelo é essa: é suportado em garantias, e não numa lógica de despesa pura”, explicou.

Acrescentou que o impacto deste programa na economia será positivo, independentemente da evolução das tarifas impostas pelos Estados Unidos. “Este programa ou será prudente e uma rede de segurança, ou colocará mais confiança na economia e dar-lhe-á novas asas, consoante as tarifas avancem ou não”, resumiu.

Relação com os EUA e política europeia
Pedro Reis fez questão de sublinhar que o mercado americano “continua a ser estratégico” e que a relação com os EUA é “muito mais profunda do que estes intervalos de turbulência”. Ainda assim, deixou claro que as empresas portuguesas não vão ficar paradas à espera da resolução do conflito comercial. “As empresas portuguesas vão criar uma nova oportunidade e ir buscar novos mercados. Isso aconteceu no Covid e há dez anos. Quando sentem desaparecer o seu chão, vão buscar a outros patamares”, disse.

Sobre a revisão de contratos nos EUA com empresas que integram programas de diversidade, o ministro foi perentório: “O mundo precisa é de pontes, de investimento e não de tarifas. Não vamos colaborar num registo que só nos afasta”.

No plano europeu, o ministro afirmou que o Governo está “completamente de acordo com a política europeia” e que a linha de negociação seguida por Bruxelas é “mesmo o que precisamos: abrir mais mercados e proteger os interesses comuns”.

Crescimento acima do défice
Questionado sobre a possibilidade de o programa chegar a 300 mil empresas, Pedro Reis reconheceu não saber o número exato, mas garantiu que abrange todo o setor exportador e potenciais investidores que escolham Portugal. Sobre as tarifas, afirmou que “não são uma boa perspetiva” e podem “mitigar o crescimento da UE”, mas considerou que o cenário final “não é claro” e exige “ponderação na calibração e intensidade” das medidas de resposta.

No final, reafirmou a confiança na solidez das contas públicas: “Não está em causa o défice, mas o quanto conseguimos mitigar para crescer mais ou um pouco menos”. E lançou um desafio: transformar obrigações em oportunidade. Em referência à antecipação da meta dos 2% do PIB na Defesa, garantiu que esta será a primeira vez em que esse esforço será integrado com “valor acrescentado na economia portuguesa”, incentivando as empresas a transformarem “despesa em investimento, obrigação em oportunidade”.

 

Veja o briefing do Conselho de Ministros completo

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