
Misteriosa mancha de água fria no Atlântico intriga cientistas há mais de um século. Agora há uma explicação
Apesar do aquecimento acelerado dos oceanos ao longo das últimas décadas, uma anomalia persistente no Atlântico Norte tem intrigado os cientistas: uma vasta zona de águas anormalmente frias, situada a sul da Gronelândia, que resiste há mais de 100 anos ao aumento generalizado da temperatura dos mares. Agora, uma nova investigação levada a cabo por cientistas da Universidade da Califórnia, em Riverside, revela finalmente a explicação para este fenómeno.
“Há muito que as pessoas se perguntam porque é que esta mancha fria existe”, afirmou Wei Liu, climatologista da Universidade da Califórnia Riverside, citado pelo estudo. Em conjunto com o oceanógrafo Kai-Yuan Li, Liu analisou mais de um século de dados sobre temperaturas e salinidade do oceano, concluindo que a mancha fria não está confinada à superfície: estende-se até cerca de 3.000 metros de profundidade.
A única explicação capaz de justificar os dados recolhidos aponta para um fenómeno global de grande escala — o enfraquecimento da Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC, na sigla inglesa), um dos principais sistemas de correntes oceânicas do planeta.
Corrente vital em declínio acentuado
A AMOC é um sistema de circulação oceânica que transporta água quente e salgada desde os trópicos até ao norte do Atlântico, onde arrefece, torna-se mais densa e afunda, iniciando um ciclo de retorno para sul. Este mecanismo não só distribui calor pelo planeta, como também é crucial para os padrões climáticos e a estabilidade ecológica global.
Contudo, o aquecimento global e a fusão acelerada das calotas glaciares têm libertado volumes crescentes de água doce nos mares do Norte, diluindo a salinidade da água e reduzindo a sua densidade. Este processo enfraquece o mecanismo de afundamento da água fria, travando gradualmente o funcionamento da AMOC.
Os dados recolhidos confirmam esta dinâmica: a salinidade diminuiu nas zonas próximas das calotes polares, enquanto aumentou nas regiões equatoriais, sinal de que as correntes oceânicas estão a perder força e a deixar de misturar eficazmente as águas.
“Se observarmos os dados e os compararmos com todas as simulações disponíveis, apenas o cenário de uma AMOC enfraquecida reproduz o arrefecimento observado nesta região específica”, explicou Kai-Yuan Li. Os investigadores calcularam que o fluxo da AMOC terá abrandado de -1,01 para -2,97 milhões de metros cúbicos de água por segundo entre 1900 e 2005.
Impactos globais ameaçam ecossistemas e segurança alimentar
O abrandamento da AMOC não é apenas uma curiosidade científica. Um colapso parcial ou total deste sistema pode ter consequências devastadoras: esta alteração no transporte de calor pode levar a invernos mais rigorosos na Europa e na América do Norte, a secas mais severas nas zonas tropicais e a perturbações nas monções. O impacto poderá estender-se a todo o planeta, afetando colheitas, ecossistemas marinhos e cadeias alimentares globais.
“Este trabalho mostra que a AMOC tem vindo a enfraquecer há mais de um século e que essa tendência deverá continuar se as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a aumentar”, alertou Li.
A investigação, publicada na revista Communications Earth & Environment, junta-se a uma crescente lista de estudos que apontam para alterações profundas no sistema climático terrestre, muitas das quais já em curso. Para os autores, compreender e monitorizar fenómenos como a “mancha fria” do Atlântico é essencial para antecipar os efeitos das alterações climáticas e preparar respostas eficazes à escala global.