Ministério da Educação francês cancela versão moderna de A Bela e o Monstro por a considerar “inadequada”

O Ministério da Educação francês cancelou a distribuição de uma versão modernizada e ilustrada do conto A Bela e o Monstro, que estava prevista para ser oferecida a cerca de 800 mil crianças de 10 anos no âmbito da campanha “Um livro para as férias”. A decisão gerou polémica, com o autor da adaptação a denunciar “censura” e a questionar os verdadeiros motivos do cancelamento.

A obra em questão foi criada pelo cartoonista Jul, conhecido pela série animada Silex and the City e pelo seu trabalho como argumentista das mais recentes histórias de Lucky Luke. A sua versão do conto clássico de 1796 já estava pronta para impressão e contava, inclusivamente, com um prefácio entusiástico da ministra da Educação, Élisabeth Borne.

“Nesta versão, criada especialmente para vocês, descobrirão o estilo irreverente e o olhar crítico de Jul, que conferem uma nova abordagem a este conto”, escreveu Borne na introdução dirigida aos alunos.

No entanto, na segunda-feira, o Ministério da Educação enviou uma carta ao autor informando que o livro não seria distribuído, justificando a decisão com o facto de que “não se adequa a uma leitura independente, em casa, com a família e sem orientação pedagógica, para alunos de 10 a 11 anos”. O ministério acrescentou que a obra “poderia suscitar questões entre os alunos para as quais não haveria respostas apropriadas”.

Entre os elementos considerados problemáticos está a representação do pai da protagonista, que surge com uma garrafa na mão, visivelmente embriagado, enquanto canta Les Lacs du Connemara, um clássico da música francesa interpretado por Michel Sardou. Além disso, o livro continha referências a redes sociais, que também foram apontadas como inadequadas.

A ministra da Educação defendeu a decisão do governo numa entrevista à CNEWS, afirmando que “Jul tem muito talento e usa ironia e humor com mestria, mas, sem acompanhamento adequado, não considero apropriado para crianças de 10 anos”.

O autor da adaptação, Jul, reagiu de forma veemente à decisão, considerando-a um ato de “censura” baseado em “pretextos falsos”. Para ele, a verdadeira razão do cancelamento está na reinterpretação visual e cultural da protagonista. Na sua versão, Bela tem pele morena, cabelos encaracolados e descendência argelina. O conto aborda questões relacionadas com imigração e integração, o que, segundo Jul, pode ter sido o verdadeiro motivo da rejeição.

“A única explicação parece ser o desconforto de ver um mundo de príncipes e princesas que se assemelha mais à realidade das crianças de hoje”, afirmou o autor.

Jul foi ainda mais longe ao questionar se “a substituição de princesas loiras por jovens mediterrânicas será o limite que a administração do ministério, sediada em Versalhes, não pode ultrapassar”. Com esta declaração, fez referência à teoria da conspiração do “grande substituição”, que ganhou força entre grupos de extrema-direita desde as eleições presidenciais de 2022 em França.

A decisão de cancelar a distribuição de A Bela e o Monstro coloca em risco a continuidade da campanha “Um livro para as férias” deste ano, uma iniciativa lançada em 2017 e que, até agora, ofereceu aos alunos novas edições de clássicos como Fábulas de La Fontaine, A Odisseia de Homero e O Homem que Plantava Árvores de Jean Giono.

Sem um substituto imediato para a versão cancelada, é possível que os 800 mil alunos fiquem sem um livro para ler durante as férias escolares deste verão.