
Migrações podem ser “força dissolvente da União Europeia”, avisa Josep Borrell, de olho na “nova ordem global”
O desafio representado pelas migrações pode representar “uma força de dissolução para a União Europeia”, alertou Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, fazendo referência as profundas diferenças culturais entre os países que integram o bloco e a sua incapacidade de chegarem a acordo quanto a uma política comum.
Em entrevista ao The Guardian, o responsável ressalva que o problema não decorreu ou foi agravado pela guerra na Ucrânia, mas que a crise agora verificada de migrações, e o seu impacto para a UE, tem várias décadas e foi alimentado por guerras e pobreza nos países de onde partem os migrantes.
Borrell reage às declarações da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que esta semana disse que não iria permitir “que a Itália se torne no campo de refugiados da Europa”, após a chegada de mais de 11 mil migrantes à ilha de Lampedusa em poucos dias, dizendo que este tipo de posição é mais sobre o problema das migrações em si do que sobre o euroceticismo.
“Na verdade, temia-se que o Brexit fosse uma epidemia. E não foi, foi uma vacina. Ninguém quer acompanhar a saída dos britânicos da União Europeia”, exemplificou.
No entanto, Borrell assinala: “A migração é uma divisão maior para a União Europeia. E poderá ser uma força dissolvente para a União Europeia”.
O chefe da diplomacia da UE lamentou que “até agora não conseguimos chegar a acordo sobre uma política comum de migração”, e que há “alguns membros da União Europeia que são de estilo japonês”, ou seja, não querem “misturar-se, nem querem migrantes”, ao passo que há outros, como Espanha, que têm um longo percurso no que respeita à aceitação de migrantes.
“O paradoxo é que a Europa precisa de migrantes porque temos um crescimento demográfico muito baixo. Se quisermos sobreviver do ponto de vista laboral, precisamos de migrantes”, realçou sobre a importância deste movimento, e as vantagens que pode trazer para a UE.
Guerra na Ucrânia afastada como causa
“As migrações a partir de África não estão a ser causadas pela guerra contra a Ucrânia. As causas profundas da migração em África são a falta de desenvolvimento, o crescimento económico e a má governação”, explicou Josep Borrell, que no entanto adianta que os esforços europeus de cooperação com as nações africanas são dificultados pela existência de regimes militares, e pela atividade de grupos mercenários como o Grupo Wagner, “a guarda pretoriana dos ditadores africanos”.
O diplomata de topo da UE acredita que Putin irá usar o tema das migrações como arma de arremesso política. “Tentará de tudo”, avisou, sublinhando que a guerra na Ucrânia “é uma batalha política, tanto quanto militar”.
Sobre a adesão da Ucrânia à UE, Borrel aponta que “vai ser difícil, porque a Ucrânia, antes de mais, está em guerra e a ser destruída”.
“Em segundo lugar, teve de fazer muitas reformas mesmo antes da guerra. E terceiro, neste momento, sendo a Ucrânia membro da União Europeia, seria o único país que seria um beneficiário líquido”, continua o responsável, que diz que é necessário que, tanto Kiev, como a própria UE, tenham que encetar longos processos de reforma.
Nova ordem global
Josep Borrell apela a um contínuo apoio dos Estados-membros da UE, e restantes aliados ocidentais, à Ucrânia, adiantando que o resultado da guerra, assim como a concorrência entre a China e os EUA, e a ascensão do ‘Sul global’, serão as três forças motrizes na definição de uma nova ordem global.
“Os povos do Sul global querem ser reconhecidos porque há 40, 50 anos, quando a ordem mundial foi construída, alguns não existiam. Ou eram colónias ou eram tão pobres que não tinham direito a voto”, explica, indicando que é necessário “tentar evitar uma aliança” destes países com a China e a Rússia, como se têm estado a posicionar.
“Não existe uma hegemonia clara no mundo, mas sim um número crescente de atores no mundo. Temos multipolaridade sem multilateralismo”, considerou.
Borrel vaticina ainda que daqui a 20 anos “seguindo a tendência atual, haverá três grandes países no mundo: a China, a Índia e os EUA”, com cada potência a ter uma economia de 50 biliões de dólares, enquanto a Europa se ficará pelos 30 biliões.
“Para a Europa isto representa um enorme desafio a longo prazo. Os europeus têm de estar preparados para fazer parte do novo mundo em que seremos certamente uma parte menor da população, e também em proporção à dimensão da economia mundial”. A solução? Borrel aponta: “Os europeus têm de estar mais unidos”.