Mamadou Ba processado por guardas prisionais após publicação polémica. Sindicato exige quatro milhões de euros e pedido de desculpas
O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) apresentou uma queixa-crime por difamação com publicidade e calúnia contra Mamadou Ba, ativista luso-senegalês e dirigente da associação SOS Racismo, na sequência de uma publicação que este fez nas redes sociais, onde questiona a veracidade das versões oficiais sobre suicídios de pessoas negras em prisões portuguesas. A queixa, entregue ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, foi confirmada ao Notícias ao Minuto e encontra-se já em análise pelo Ministério Público.
O processo foi motivado por declarações de Mamadou Ba publicadas a 22 de maio na sua conta de Facebook, após a morte de um recluso negro de 25 anos na cadeia do Linhó, em Cascais. O jovem foi encontrado enforcado na cela no dia anterior, e tudo apontava para um suicídio. No entanto, o ativista escreveu: “Tenho sempre muitas dificuldades em acreditar em ‘mortes naturais’ e, muito menos, em ‘suicídios’ de pessoas negras nas prisões.”
Na mesma publicação, Mamadou Ba acrescentou: “A minha convicção é que a probabilidade de serem mortas pela violência dos guardas prisionais é mais alta do que qualquer outra possibilidade de morte natural ou suicídio. É conhecida a história de linchamentos, torturas e assassinatos de pessoas negras na indústria carcerária, a nível global. (…) Receio que a história se repita no sentido em que o relatório médico-legal tenha sempre que confirmar a tese das autoridades penitenciárias.”
O SNCGP acusa o ativista de atacar de forma generalizada a reputação dos guardas prisionais, pondo em causa a sua idoneidade e o seu papel como agentes da autoridade. O sindicato considera que Mamadou Ba utilizou um “meio de comunicação social de massas” para difundir suspeitas infundadas e ofensivas, exigindo uma indemnização no valor de quatro milhões de euros — mil euros por cada um dos cerca de quatro mil guardas prisionais em funções. O pedido consta da queixa a que o Notícias ao Minuto teve acesso, onde se lê ainda: “O denunciante deseja participar criminalmente contra o denunciado e requer, desde já, a sua constituição como assistente nos autos.”
A título simbólico, o sindicato já anunciou que, caso a indemnização venha a ser atribuída, doará a totalidade do valor às alas pediátricas dos Institutos Portugueses de Oncologia de Lisboa e do Porto. No entanto, o presidente do sindicato, Frederico Morais, sublinha que o objetivo não é financeiro, mas moral: “Não estamos a contar com os quatro milhões. O que queremos é que ele seja obrigado a redimir-se, a ser condenado pelo que escreveu e que peça desculpa. É preciso perceber que não se pode dizer tudo sem consequências”, afirmou à CNN Portugal.
Morais rejeita totalmente as acusações implícitas na publicação de Mamadou Ba, sublinhando que “temos guardas prisionais que são de cor” e que o sistema prisional não pratica qualquer forma de discriminação racial institucionalizada. “As declarações não fazem sentido. Põem em causa o trabalho dos guardas prisionais, mas também o da Polícia Judiciária e dos médicos-legistas, que garantiram que não se tratou de um homicídio.”
Relativamente ao caso concreto do Linhó, o dirigente sindical refere que o recluso em causa “sofria de problemas psiquiátricos e deveria estar internado numa ala especializada, e não numa cela comum”. Acrescenta ainda que “os suicídios em prisões portuguesas são muito raros”, estimando em “quatro ou cinco” o número de casos este ano, com base nos relatos dos representantes do sindicato espalhados por todos os estabelecimentos prisionais.
Na publicação que está na origem do processo, Mamadou Ba apelou à necessidade de se apurar a verdade: “O mínimo que se espera é que tudo seja feito para apurar a verdade dos factos e que se tirem as devidas consequências do que aconteceu.” O ativista manifestou também desconfiança sobre a imparcialidade da investigação oficial, afirmando que tende a prevalecer “uma narrativa oficial que procura a todo o custo preservar a imagem do sistema carcerário em vez de revelar a realidade”.
Mamadou Ba, que se encontra a viver em Vancouver, no Canadá, ainda não reagiu oficialmente à queixa-crime, mas, em declarações ao Correio da Manhã, afirmou que não irá comentar enquanto não for formalmente notificado. A polémica adensou o debate em torno do racismo nas instituições públicas e sobre os limites da liberdade de expressão, nomeadamente quando dirigida a forças de segurança e autoridades públicas.