Mais de dois casos de gonorreia e sífilis por dia: Disparam infeções sexualmente transmissíveis entre os jovens

O número de infeções sexualmente transmissíveis (IST) entre os jovens portugueses está a aumentar de forma preocupante, refletindo uma tendência global que os especialistas atribuem a mudanças nos comportamentos sexuais e à diminuição do uso do preservativo. Dados recentes da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que, em 2023, foram registados mais de dois novos casos por dia de gonorreia e sífilis em jovens entre os 15 e os 24 anos, um crescimento exponencial face aos números registados há uma década.

O caso de André (nome fictício), que contraiu duas IST após uma relação ocasional durante as férias no Algarve, ilustra a realidade que muitos médicos têm vindo a notar nos consultórios. Com apenas 16 anos, André demorou a procurar ajuda devido à vergonha e ao desconhecimento dos sintomas, que inicialmente desapareceram antes de regressarem com maior intensidade. Após o diagnóstico, foi aconselhado a contactar as pessoas com quem tinha mantido relações sexuais, mas percebeu que não sabia quem eram. “Conheci algumas na noite e nem sequer fiquei com os contactos. Outras só tenho no Instagram ou no Snapchat”, admitiu o jovem, em entrevista ao Expresso.

A mãe de André, inicialmente surpreendida pela situação, percebeu que este comportamento é comum entre os jovens. “No meu grupo de amigos é normal ter vários parceiros. A ideia é ter o maior número de experiências possíveis. Estamos muito à vontade e vivemos o momento, sem pensar muito nos riscos”, confirmou o adolescente.

Dados alarmantes e um fenómeno global
As IST, que nas décadas de 1990 e 2000 estavam em declínio, voltaram a aumentar de forma preocupante. Em 2013, Portugal registou apenas 75 casos de sífilis e gonorreia entre jovens, mas em 2023 esse número subiu para 866, representando um aumento de quase 12 vezes. Entre a população em geral, o crescimento também é expressivo.

A tendência não é exclusiva de Portugal. Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), os casos de sífilis duplicaram na União Europeia entre 2013 e 2023, enquanto os de gonorreia aumentaram 300%. O organismo europeu já classificou a situação como um “problema de saúde pública” que exige “ação imediata”, sobretudo porque estão a surgir estirpes resistentes aos antibióticos, o que pode comprometer a eficácia dos tratamentos.

Fatores que impulsionam a transmissão
Os especialistas apontam para mudanças nos comportamentos sexuais como um dos principais fatores para este aumento. As IST podem ser assintomáticas, facilitando a transmissão entre parceiros que desconhecem estar infetados. Além disso, a diminuição do uso do preservativo tem um impacto significativo.

“Nessa altura, o medo da sida levou a um aumento muito grande do uso do preservativo e isso fez com que estas IST diminuíssem muitíssimo, tornando-se quase residuais. Mas já neste século, o surgimento de tratamentos muito eficazes para a sida transformaram-na numa doença que já não é mortal e as pessoas perderam o medo. O uso do preservativo caiu de forma acentuada e estas infeções ressurgiram em força”, explica Cândida Fernandes, do Grupo para o Estudo e Investigação das Doenças Sexualmente Transmissíveis, da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia.

As consequências destas infeções podem ser graves. Se não tratada, a sífilis pode levar a problemas neurológicos, demência, surdez, cegueira e problemas cardíacos. A gonorreia e a clamídia também podem causar complicações severas, incluindo infertilidade.

Mudanças no comportamento sexual dos jovens
O estudo “A Educação Sexual dos Jovens Portugueses”, coordenado pelo sociólogo Duarte Vilar e realizado entre 2008 e 2021, revela uma transformação nos comportamentos dos adolescentes. O número de jovens que dizem usar sempre preservativo caiu de 55% para 45%, enquanto aqueles que nunca usam subiram de 3,6% para 10,4%. Além disso, cada vez mais jovens referem ter relações fora de relações amorosas estáveis. Em 2021, 35% dos jovens admitiram manter relações com múltiplos parceiros, mais 14 pontos percentuais do que em 2008.

Tânia Gaspar, psicóloga e coordenadora em Portugal de um estudo da Organização Mundial da Saúde sobre os comportamentos de saúde dos jovens, destaca que os adolescentes estão a desenvolver uma abordagem mais “funcional” à sexualidade, desligada do afeto. “O acesso precoce à pornografia está a levar a uma desumanização e mecanização da sexualidade”, explica. Para além disso, a perceção de risco é baixa, e os jovens não encaram as IST como uma ameaça séria. “Simplesmente não pensam nisso ou não acham que seja suficientemente grave para se preocuparem”, acrescenta.