Mais de 80% dos portugueses defendem reforço da cooperação internacional, revela sondagem
A esmagadora maioria dos portugueses defende o reforço da cooperação entre países como resposta aos desafios globais. De acordo com uma sondagem nacional apresentada esta quarta-feira, 83% dos inquiridos acreditam que o mundo precisa de mais colaboração internacional para enfrentar questões como a segurança, as alterações climáticas, as migrações, o comércio e a segurança alimentar.
Os resultados foram divulgados numa conferência promovida pela FEC – Fundação Fé e Cooperação e pelo IMVF – Instituto Marquês de Valle Flôr, no âmbito do projeto Coerência – O Eixo do Desenvolvimento, durante um evento intitulado “O que pensam os Portugueses sobre o Desenvolvimento Global”, realizado a 7 de maio na FNAC Alfragide.
A sessão foi aberta por Ana Patrícia Fonseca, diretora da FEC, que destacou o papel central das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) na construção de um mundo mais justo: “O trabalho das ONGD assenta em três eixos: conhecer as causas das desigualdades, denunciá-las e intervir para as resolver”, afirmou.
Em representação do Governo, Ana Correia, do gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, alertou para o contexto atual, que classificou como particularmente desafiante. “Vivemos tempos difíceis, de policrises. Neste cenário pouco animador, temos de continuar a lutar, não podemos cruzar os braços. Temos de pensar e agir”, apelou.
A sondagem, conduzida pela Pitagórica, procurou medir a perceção da população sobre temas ligados ao desenvolvimento global e à coerência das políticas públicas. Os dados apresentados mostram um claro apoio dos portugueses a medidas centradas na sustentabilidade e na solidariedade internacional:
- 83% consideram necessária mais cooperação internacional;
- 73% defendem o fim do financiamento a projetos que prejudicam o ambiente, mesmo quando decorrem fora de Portugal;
- 65% acreditam que o apoio ao desenvolvimento pode reduzir a imigração;
- 61% apoiam o aumento da ajuda a países de língua portuguesa em conflito ou em risco;
- 55% nunca ouviram falar de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD), conceito que defende o alinhamento das políticas públicas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Especialistas alertam para riscos da inação e destacam papel da CPD
O evento contou ainda com uma mesa-redonda que reuniu vários especialistas da área da cooperação e do desenvolvimento. Entre os oradores esteve André Costa Jorge, do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), que denunciou a atual narrativa negativa em torno das migrações.
“Estamos a enfrentar uma perspetiva negativa das migrações como eu nunca vi. Fazem dos migrantes criminosos se estiverem numa situação irregular”, afirmou, alertando para a instrumentalização política do tema. “A decisão de migrar é racional e um ato de coragem. Precisamos de imigrantes em todos os setores. Os migrantes são uma parte essencial de todos os países, pela sua coragem, preparação e vontade de arriscar. Estamos muito a tempo de inverter este discurso e olhar para as migrações como um fenómeno global.”
Carla Graça, da Associação ZERO, focou-se nos impactos das alterações climáticas, criticando a falta de preparação dos países europeus para enfrentar desastres ambientais cada vez mais frequentes. “Tipicamente são as populações mais pobres que sofrem com as alterações climáticas. Quando tivemos as cheias em Valência e na Alemanha, percebemos que não estamos preparados. Vamos ter de adaptar as nossas infraestruturas e as nossas políticas.”
Já Hugo Vaz Pedro, da FEC, apontou a ausência da segurança alimentar nas prioridades da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030. “Começaram a surgir outras prioridades e parece-me que há uma certa dormência perante este tema. Exportar tecnologias e esperar que resulte, não vai funcionar. A agricultura não encaixa nos tempos dos programas de desenvolvimento, que normalmente duram três anos.”
João Ferreira, vereador da Câmara Municipal de Lisboa e antigo eurodeputado, abordou a dimensão política e orçamental da cooperação internacional. “Vivemos num tempo em que se sustentam fantasmas para criar inimigos e armas. O que me inquieta é que se desviem recursos que são fundamentais para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento para outras finalidades”, afirmou.
Referindo-se ao trabalho desenvolvido no âmbito do projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento, João Ferreira declarou: “A Cooperação para o Desenvolvimento tem de ser encarada de forma transversal. Todas as políticas setoriais, da segurança às políticas migratórias, fiscais, económicas, agrícolas, têm um efeito no desenvolvimento. O trabalho que a FEC e o IMVF vêm fazendo, de forma persistente, nestes tempos de globalização da indiferença, é digno de registo, é corajoso, é quase revolucionário.”
A iniciativa serviu para reforçar a centralidade da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) como ferramenta estratégica da Cooperação Portuguesa. Sublinhou-se também o papel da sociedade civil e dos decisores políticos na construção de políticas públicas mais alinhadas com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
O projeto Coerência – o Eixo do Desenvolvimento, cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., continuará a promover o debate e a sensibilização da opinião pública sobre a necessidade de tornar as políticas públicas mais integradas e eficazes na promoção de um desenvolvimento global justo, sustentável e solidário.