Maior obra de engenharia da história está há quase 500 anos no papel: canal ‘rival’ do Panamá pode tornar-se realidade

O comércio internacional navega por águas turbulentas: os crescentes conflitos geopolíticos, a pirataria moderna e as mudanças climáticas estão a causar pressão nalgumas das principais artérias comerciais do mundo. Um bom exemplo é o que acontece no Canal do Panamá, onde as secas estão a limitar a capacidade da hidrovia que recentemente se tornou alvo da ‘cobiça’ de Donald Trump.

Face à situação, é apropriado procurar alternativas, sendo que a China pode ter a solução, num projeto revelado em 2012 – Pequim quer construir na Nicarágua aquela que seria a maior obra de engenharia da história – um canal interoceânico três vezes maior do que o Panamá. Desde então, o projeto não moveu uma pedra, mas não pode ser considerado morto. O Governo local tem aliás declarado que “ainda está bem vivo”.

O investimento e projeto foram anunciados há mais de 10 anos pelo Governo de Nicarágua: o projeto seria conduzido pela China, com um investimento de 50 mil milhões de dólares, e prometia transformar o país no grande centro de comércio marítimo de toda a América Latina. No entanto, a grande obra, apesar de muitos detalhes e planos, nunca deixou o papel e foi, por enquanto, deixada como “o maior conto chinês da história”.

Na realidade, a ideia já é bastante antiga: as primeiras propostas foram feitas durante a época colonial espanhola, no sentido de aproveitar o curso do rio San Juan, que nasce no lago e desagua no Caribe. Em 1551, a Administração Colonial da Nova Espanha realizou estudos preliminares, sob supervisão do explorador espanhol Gormara. A ideia foi abandonada durante dois séculos, até que em 1781 foi revivida pela coroa espanhola, que encomendou novos estudos de viabilidade – no entanto, a construção nunca avançou pois não foi garantido o financiamento necessário.

Em 1825, a recém-criada República Federal da América Central contratou agrimensores para estudar uma rota através do Lago Nicarágua: também entraram em contacto com o Governo americano à procura de financiamento, bem como a tecnologia necessária para o trabalho – no entanto, os EUA nunca deram a sua aprovação. No século seguinte, os EUA tentaram, de uma forma ou de outra, executar o projeto, com vários graus de interesse ao longo do tempo, para depois abandonar a ideia depois da abertura do Canal do Panamá – até França ficou de olho no projeto, com o próprio Napoleão III a escrever um artigo sobre a viabilidade do projeto em meados do século XIX.

Atualmente, se o ‘Grande Canal’ for construído, o dinheiro poderá chegar da China, atualmente o país com melhor relação com a Nicarágua e também quem propôs um plano mais concreto: o projeto do canal interoceânico da Nicarágua deveria ser três vezes maior que o Canal do Panamá e foi anunciado como “o maior projeto de engenharia civil da história” da humanidade. Mas já faz quase 12 anos que a China não dá qualquer indicação clara de início deste projeto.

O canal, que ligaria o Mar do Caribe ao Oceano Pacífico, cruzaria o sul do país de leste a oeste, com um percurso de 278 quilómetros de extensão, 230 a 520 metros de largura e 30 metros de profundidade. O projeto seria dividido em “subprojetos”: o canal, dois aeroportos, dois portos de águas profundas, dois lagos artificiais, duas eclusas, uma área de livre comércio e complexos turísticos, entre outros. A chinesa HKND recebeu uma concessão de gestão de 50 anos, com mais 50 anos prorrogáveis ​​se assim o desejasse, em troca de um pagamento de dez milhões de dólares a cada ano durante a primeira década, e o direito a 1% do capital nos “subprojetos”, que aumentaria para 99% no final da concessão. A HKND foi dissolvida em 2018, destruindo quase completamente as esperanças da Nicarágua.

“É um projeto fracassado desde o início, devido à falta de transparência e à corrupção implementada pelo regime da Nicarágua. A resistência local travou o seu avanço. A comunidade internacional entendeu que poderia ser usado para a entrada de recursos ilícitos”, garantiu, no final de 2022, o ambientalista Amaru Ruiz, responsável pela ONG Fundación del Río.

Mas “falido” não significa “morto”, como demonstra a existência da Autoridade Nacional do Grande Canal, que continua a receber cerca de 200 mil dólares do orçamento geral da China todos os anos, apesar de não ter qualquer função. Nos últimos meses, devido às tensões comerciais e aos problemas com o Canal do Panamá, esta obra faraónica voltou a ser o centro das atenções e chegou-se a garantir que a Rússia também apoiaria, de forma desconhecida, a sua construção. De acordo com especialistas da Fundação Jamestown, um think tank formado por uma fundação de análise geopolítica e económica sediada em Washington, acreditam que a reativação desse canal pode ocorrer nos próximos anos.

“O projeto não se materializou devido aos problemas financeiros da HKND, à falha em conduzir estudos ambientais e à oposição de agricultores e ambientalistas. Os dois últimos grupos estavam preocupados com o impacto que a construção teria no Lago Nicarágua, o maior lago da América Central e uma importante fonte de água doce”, explicaram os especialistas de Jamestown. No entanto, “após a reaproximação diplomática no final de 2021, o projeto pode voltar a estar em cima da mesa: as empresas chinesas procuram novos acordos, enquanto na Nicarágua os Ortegas fizeram muito para consolidar o seu poder (o que poderia permitir que reprimissem qualquer oposição) e as secas no Panamá estão a impactar o número de navios que podem transitar”.

Em novembro último, Ortega aproveitou a cimeir empresarial China-América Latina e Caribe, realizada em Manágua, para oferecer aos 250 empresários chineses presentes no evento a construção do canal interoceânico. No entanto, inclui uma nova rota, cruzando o Lago Manágua em vez do Grande Lago, tentando assim evitar reclamações ambientais. Ortega insistiu que o Canal do Panamá está no limite da sua capacidade, que deve ser encontrada uma alternativa e que a Nicarágua é essa alternativa.