
Lei sobre venda de crédito malparado enfrenta novo adiamento devido à crise política
O processo de transposição da diretiva europeia que visa regular a venda de crédito malparado, incluindo empréstimos à habitação e ao consumo que se encontram em incumprimento, continua a sofrer atrasos. A proposta de lei, que deu entrada na Assembleia da República na semana passada, baixou diretamente à Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP), mas a sua discussão ainda não foi agendada.
O foco do Parlamento está atualmente centrado na moção de confiança ao Governo, que será debatida e votada esta terça-feira e que, dada a oposição manifestada por vários partidos, pode resultar na queda do Executivo e na dissolução da Assembleia da República. Caso esse cenário se concretize, o regime de venda de crédito malparado ou não produtivo (NPL, na sigla em inglês para “non-performing loans”), que deveria ter sido transposto até 29 de dezembro de 2023, permanecerá suspenso, deixando consumidores sem a devida proteção legal, alerta o Público.
Atrasos na transposição já levaram a União Europeia a apresentar uma queixa contra Portugal, juntamente com outros Estados-membros, no Tribunal de Justiça da UE.
Objetivos da nova legislação
A proposta do Governo tem como objetivo executar o Regulamento (UE) 2017/2402, que define o regime geral para a titularização de créditos, e transpõe parcialmente a Diretiva (UE) 2021/2167, que regula os gestores e adquirentes de crédito. Com isso, será criado o Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (RCGCB) e implementado um novo modelo para a Central de Responsabilidades de Crédito (CRC).
Com o RCGCB, a venda de créditos em incumprimento passará a estar condicionada à aprovação pelo Banco de Portugal, entidade que supervisionará os gestores de crédito. Estes gestores e os seus colaboradores ficarão obrigados a atuar com lealdade e respeito pelos interesses dos devedores, estando sujeitos ao segredo profissional nos mesmos termos do segredo bancário.
Para corrigir lacunas da prática atual, a nova legislação reforça a obrigação de informação ao devedor. Assim, no prazo de dez dias após a cessão do crédito, e antes da primeira cobrança, o gestor de crédito deverá informar o devedor sobre a transferência do crédito, fornecer os seus contactos, indicar os valores em dívida e esclarecer que a legislação em vigor se manterá aplicável após a cessão.
Retoma do contrato de crédito
A proposta também estabelece que os gestores de crédito devem garantir ao devedor o direito à retoma do contrato de crédito, nos termos do Decreto-Lei n.º 74-A/2017. De acordo com este diploma, o consumidor pode retomar o contrato desde que pague as prestações em atraso, os juros de mora e as despesas documentalmente justificadas pelo mutuante. Caso o direito à retoma seja exercido, considera-se sem efeito a resolução do contrato, que se manterá em vigor nos termos e condições iniciais, sem alterações nas garantias associadas.
Atualmente, esta possibilidade não é reconhecida ao devedor. Após a venda do crédito, a única forma de evitar a perda do imóvel é o pagamento integral do empréstimo, um cenário muitas vezes impraticável para os consumidores.
Alteração na Central de Responsabilidades de Crédito
Outra novidade é a obrigação de atualização de informações na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC). Atualmente, quando um crédito é vendido, a instituição de crédito original remove a informação de incumprimento, mas os gestores de crédito não estão autorizados a atualizá-la. Com a nova legislação, tanto as instituições financeiras como os gestores de crédito terão de comunicar à CRC todas as cessões de crédito e garantir a correta atualização da informação.
Os gestores de crédito que recorram à subcontratação de serviços continuarão responsáveis pelo cumprimento das normas legais e regulamentares. No entanto, esta possibilidade de subcontratação levanta preocupações, uma vez que pode dificultar a supervisão da atividade pelo Banco de Portugal.
A proposta também reforça os mecanismos de defesa dos consumidores, obrigando os gestores de crédito a aderirem a pelo menos duas entidades de resolução alternativa de litígios e a estabelecerem regras para o tratamento de reclamações.
Com a iminência de uma eventual dissolução da Assembleia da República, a discussão e aprovação deste diploma correm sérios riscos de novos adiamentos. A aprovação desta legislação é essencial para garantir uma maior proteção aos consumidores, mas a instabilidade política pode empurrar a sua conclusão para um futuro incerto.