Legislativas: Mais de 560 mil votos não se traduziram em mandatos e foram desperdiçados
Mais de meio milhão de votos expressos nas eleições legislativas de 2025 não se traduziram em representação parlamentar. De acordo com os dados mais recentes do projeto “omeuvoto.com”, coordenado por Luís Humberto Teixeira e Carlos Afonso, 567.930 votos válidos — o equivalente a 9,76% do total — não resultaram na eleição de qualquer deputado. Este número ainda pode sofrer pequenas alterações, uma vez que os círculos da emigração ainda não foram totalmente apurados.
Apesar de representar uma diminuição em relação aos três atos legislativos anteriores — nos quais o número de votos desperdiçados superou sempre os 700 mil —, o valor continua acima da média histórica de 9,2%, calculada com base em todas as eleições desde 1975. Os responsáveis pelo projeto sublinham que, apesar da melhoria, o problema estrutural persiste e merece reflexão.
A análise dos investigadores destaca o círculo eleitoral de Portalegre como o mais desequilibrado em termos proporcionais, com 40% dos votos a não contribuírem para a eleição de qualquer deputado. Tal facto está relacionado com a reduzida magnitude do círculo, que apenas elege dois representantes para a Assembleia da República.
Já em termos absolutos, é o distrito do Porto que mais votos “desperdiça”: 12% do total nacional de votos não convertidos em mandatos pertencem a este círculo. A explicação reside no desempenho eleitoral de partidos como o Bloco de Esquerda e o PAN, que obtiveram votações significativas, mas insuficientes para conquistar um lugar no Parlamento por aquele círculo.
Onze partidos ficam fora do Parlamento
O estudo elaborado por Luís Humberto Teixeira, mestre em Política Comparada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e por Carlos Afonso, CEO da empresa tecnológica Impulsys, inclui também uma avaliação dos partidos sem representação parlamentar. Nas legislativas de domingo, 11 partidos ficaram fora da Assembleia da República.
Alguns desses partidos, como o PTP, o MPT, o Nós Cidadãos, o PPM e o recém-criado Partido Liberal Social, nem sequer atingiram os 7.500 votos — o número mínimo de assinaturas exigido por lei para legalizar uma nova força partidária. “Não sendo a primeira vez que isto acontece para alguns deles, seria importante haver uma reflexão por parte das pessoas que os constituem sobre o sentido da sua existência política”, alertam os autores.
Outras forças políticas, como a Nova Direita e o Ergue-te, ficaram ligeiramente acima deste limiar, com cerca de 8 mil votos. Já o PCTP/MRPP, o Volt Portugal e o RIR ultrapassaram os 10 mil, mas por margens reduzidas.
ADN ultrapassa 1% e mantém subvenção estatal
Entre os partidos não eleitos, apenas o ADN (Alternativa Democrática Nacional) ultrapassou a fasquia dos 1% dos votos, totalizando 78.914 votos, ou seja, 1,32%. Isto permite-lhe manter a subvenção estatal que já recebia desde as últimas eleições. Os autores do estudo destacam que esta votação é quase quatro vezes superior à do Juntos pelo Povo (JPP), que, no entanto, vai entrar pela primeira vez na Assembleia da República devido à concentração dos seus votos na Madeira.
Este contraste leva os responsáveis do projeto a questionar a eficácia do atual sistema: “De que serve estar inscrito na lei o princípio da igualdade de voto, se depois, na prática, acontecem situações de desequilíbrio flagrante como estas?”, interrogam.
Perante estas assimetrias, os autores defendem novamente a criação de um círculo de compensação nacional, uma solução permitida pela Constituição da República. Esta medida permitiria, segundo explicam, atenuar os efeitos perversos da desproporcionalidade do sistema e garantir representação mais justa para votos como os do ADN. “Este tipo de correção asseguraria que votos expressivos, mas dispersos geograficamente, não fossem ignorados na composição da Assembleia”, sublinham.
O projeto “omeuvoto.com”, que permite aos eleitores verificar se o seu voto ajudou a eleger algum deputado, tem vindo a destacar, eleição após eleição, as limitações do sistema de representação proporcional português quando aplicado em círculos com magnitude reduzida.