Legislativas: As (muito difíceis) contas para a solução governativa estável que pediu Marcelo
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reiterou esta semana a intenção de nomear um Governo estável que garanta a governabilidade até ao final da legislatura, em 2026, evitando soluções interinas ou executivos de gestão. No entanto, os resultados das eleições legislativas de domingo, 10 de março, dificultam essa tarefa: a Aliança Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, venceu, mas ficou aquém da maioria absoluta e terá de negociar com o Partido Socialista (PS) ou com o Chega para formar Governo.
“Queremos poupar soluções longas de governos de gestão num mundo instável”, afirmou Marcelo numa mensagem ao país divulgada na véspera das eleições, apelando à estabilidade como resposta a uma conjuntura económica e política particularmente desafiante, tanto a nível interno como internacional. O Chefe de Estado defendeu que “só com previsibilidade cresce a confiança”, sublinhando que, até maio de 2026, não poderão realizar-se novas eleições legislativas.
AD vence, mas depende de acordos com o PS ou o Chega
A AD elegeu 89 deputados — mais nove do que em 2022 —, mas o número fica ainda distante dos 116 necessários para garantir uma maioria absoluta na Assembleia da República. À direita, somando os lugares do PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal (IL), há, para já, 156 deputados. À esquerda, o PS e o Bloco de Esquerda, juntamente com outros pequenos partidos, somam 68. Junta-se ainda um deputado do PAN e outro do Juntos Pelo Povo (JPP), deixando o hemiciclo profundamente fragmentado.
Durante a campanha, Luís Montenegro reiterou várias vezes que não faria coligações com o Chega. A sua postura ficou célebre pela frase “não é não”. No entanto, essa recusa parece não se aplicar a entendimentos parlamentares pontuais. “Temos um mandato para governar e, como sempre fizemos, estamos disponíveis para falar com todos, quer todos estejam também disponíveis”, afirmou Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros em gestão, em declarações à RTP. Já André Ventura, líder do Chega, manifestou-se pronto a negociar.
Com os resultados atuais, a AD não consegue atingir a maioria parlamentar sem o apoio do Chega. A IL, apesar de ter reforçado a bancada de oito para nove deputados, não tem peso suficiente para garantir a estabilidade governativa. Uma solução exclusivamente de direita sem o Chega é, portanto, inviável.
PS afasta entendimento e enfrenta crise interna
No campo socialista, a margem de manobra é igualmente reduzida. O PS, liderado por Pedro Nuno Santos até à noite eleitoral, obteve 58 deputados — o pior resultado desde 1987. Após a derrota, o secretário-geral demitiu-se, anunciando que não se recandidatará à liderança. Numa declaração pública, deixou claro que o PS “não deve ser suporte deste Governo”, considerando que Luís Montenegro “não tem idoneidade” para liderar o país.
Com a liderança do PS em transição, qualquer diálogo com a AD terá de aguardar a escolha do novo líder, que poderá vir a ser José Luís Carneiro, atual ministro da Administração Interna em gestão, e já apontado como sucessor.
Ainda assim, mesmo com o PS, uma coligação formal ou um acordo de incidência parlamentar parece improvável num futuro próximo.
Votos da emigração podem alterar posições
A contagem dos votos da emigração, que deverá ficar concluída até 28 de maio, será decisiva para determinar qual o segundo partido mais votado. Em 2022, o Chega conseguiu eleger dois deputados adicionais com base nesses votos, enquanto a AD e o PS conseguiram apenas um cada. Um cenário semelhante poderá dar ao partido de André Ventura a primazia como segunda força política, ultrapassando o PS, o que reconfiguraria simbolicamente a correlação de forças no Parlamento.
Após a conclusão do apuramento, os partidos poderão contestar os resultados junto do Tribunal Constitucional, que terá 48 horas para responder. Até 6 de junho, as atas de apuramento geral deverão ser remetidas à Assembleia da República, oficializando a composição final do hemiciclo.
Marcelo só indigita governo com apoio parlamentar garantido
Marcelo Rebelo de Sousa deverá começar a ouvir os partidos esta terça-feira, começando pelos três principais — PSD, PS e Chega — e prosseguindo com os restantes ao longo da semana. O objetivo é perceber “calmamente” qual a leitura que cada força política faz da “vontade dos portugueses” e aferir se existe viabilidade de uma solução governativa estável.
Segundo fonte próxima da Presidência da República, a única condição imposta por Marcelo para indigitar um novo Governo é que este tenha “garantias de aprovação parlamentar” para fazer aprovar o seu programa e resistir a uma moção de rejeição. Este critério é igualmente essencial para assegurar a viabilidade do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026).
A atual correlação de forças indica que o PS, com 58 deputados, deixou de ser suficiente para derrubar um Governo sozinho. Para chumbar um programa ou um orçamento, seria necessário que o PS e o Chega votassem em conjunto — uma possibilidade que, embora matemática, é politicamente improvável.
No discurso da noite eleitoral, Luís Montenegro apelou ao “sentido de responsabilidade” de todas as forças políticas. “Tudo faremos para assegurar essa estabilidade, não só para a assunção plena de funções de Governo, mas após a sua investidura, para o próprio funcionamento da legislatura em quatro anos”, afirmou o líder da AD.
Marcelo Rebelo de Sousa partilha essa urgência. Na mensagem divulgada antes das eleições, alertou para o impacto que o regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos poderá ter nas relações internacionais e na economia mundial. “O mundo de 2025 será radicalmente diferente do de 2024”, afirmou, sublinhando que isso implicará “maiores responsabilidades para nós europeus, para nós portugueses”.
Entre o imperativo da estabilidade e a fragmentação política saída das urnas, caberá agora a Luís Montenegro procurar uma solução que assegure a governabilidade. A resposta de Marcelo Rebelo de Sousa dependerá do equilíbrio entre pragmatismo político e as garantias institucionais que o Presidente exige.