Kiev resiste a aceitar condições de Trump para explorar terras raras da Ucrânia

Os Estados Unidos têm pressionado a Ucrânia para garantir acesso exclusivo a minerais estratégicos em troca da continuidade da ajuda militar e financeira. O governo de Donald Trump tem exigido que Kiev assine um acordo que conceda a empresas norte-americanas direitos de exploração de terras raras e outros recursos minerais críticos, avaliados em cerca de 477 mil milhões de euros. No entanto, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tem resistido a assinar o documento devido à ausência de garantias concretas de apoio militar no acordo.

Primeira visita oficial e a proposta norte-americana
O primeiro alto representante da administração Trump a visitar Kiev não foi o secretário da Defesa nem o chefe da diplomacia, mas sim o secretário do Tesouro, Scott Bessent. A 12 de fevereiro, Bessent reuniu-se com Zelensky para lhe apresentar um rascunho de contrato que previa a exploração conjunta, por empresas ucranianas e norte-americanas, de recursos minerais considerados fundamentais para a indústria tecnológica e de defesa dos EUA.

Desde então, a pressão sobre Kiev tem sido constante. O conselheiro de Trump para o Médio Oriente e a Rússia, Mike Waltz, justificou a posição da Casa Branca afirmando que “o povo americano merece ser recompensado, merece um retorno pelos milhares de milhões que investiram nesta guerra”. Acrescentou ainda que “Zelensky seria muito inteligente se aceitasse o acordo com os Estados Unidos”.

Contudo, o presidente ucraniano tem-se recusado a assinar qualquer documento que não detalhe com clareza o tipo de apoio militar que Washington irá fornecer à Ucrânia em contrapartida. Durante a Conferência de Segurança de Munique, a 15 de fevereiro, Zelensky confirmou publicamente que rejeitou a proposta por não conter as “garantias de segurança” exigidas pelo governo ucraniano.

Pressão crescente e ameaças diplomáticas
O diário Pravda noticiou que, durante a conferência de Munique, a delegação norte-americana terá exigido que Zelensky anunciasse publicamente a assinatura do acordo. Segundo o jornal ucraniano, Washington ameaçou cancelar uma reunião agendada para 15 de fevereiro entre o presidente ucraniano e o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, caso o compromisso não fosse assumido. A reunião acabou por acontecer, mas sofreu um atraso significativo, que o Pravda atribui a esta pressão.

O discurso de Vance em Munique gerou surpresa, não apenas pelo seu tom agressivo contra a União Europeia, mas também pela ausência de qualquer menção à situação da Ucrânia. Nos bastidores, Kiev tem manifestado o seu desagrado, tanto pela insistência dos EUA na questão dos minerais, como pela crescente desconfiança em relação às negociações diretas que Washington tem mantido com Moscovo para um eventual acordo de paz.

Zelensky expressou publicamente a sua frustração ao afirmar que não foi informado sobre um encontro, marcado para 20 de fevereiro na Arábia Saudita, entre o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio. “Não reconheceremos nada nem nenhum acordo sobre nós sem a nossa presença”, declarou o líder ucraniano.

Curiosamente, foi o próprio Zelensky quem, em setembro de 2024, propôs pela primeira vez a ideia de ceder direitos de exploração de minerais estratégicos aos Estados Unidos, quando Trump ainda era candidato à presidência. De acordo com declarações recentes do presidente ucraniano em Munique, a sua intenção na altura era antecipar-se às dificuldades crescentes de garantir apoio ocidental à guerra contra a Rússia, prevendo que um eventual regresso de Trump à Casa Branca pudesse comprometer o fluxo de assistência militar.

Agora, Trump exige uma contrapartida que considera justa. A administração norte-americana colocou um preço concreto: 500 mil milhões de dólares em minerais, como forma de compensação pelo apoio prestado pelos EUA desde o início da invasão russa, em 2022. Segundo o Instituto para a Economia Mundial de Kiel, Washington forneceu até agora um total de 114,9 mil milhões de euros em ajuda militar e financeira à Ucrânia — um valor muito inferior ao montante que Trump agora reivindica em recursos naturais.

O interesse norte-americano nas riquezas minerais da Ucrânia
De acordo com documentos revelados pelo Washington Post a 15 de fevereiro, o rascunho do acordo entregue a Zelensky especifica que os Estados Unidos querem obter o direito de exploração de pelo menos 50% das reservas de minerais estratégicos da Ucrânia. Nem Kiev nem Washington negaram a existência do documento, mas se os valores forem precisos, o meio bilião de dólares exigido por Trump poderá ser apenas uma fração do real potencial económico destas reservas.

O The Telegraph avançou ainda que a proposta norte-americana estipula que 50% dos lucros das novas explorações seriam destinados aos EUA, tanto dos recursos exportados diretamente para território norte-americano como daqueles vendidos a terceiros países.

O foco da administração Trump não está apenas nas terras raras — um grupo de 17 minerais essenciais para a produção de alta tecnologia e sistemas de defesa — mas também em outros elementos estratégicos. A Ucrânia possui algumas das maiores reservas mundiais de titânio, lítio, urânio, grafite e manganês, todos essenciais para a indústria militar e energética.

Reservas sob ameaça da guerra
Apesar da riqueza dos seus recursos naturais, a Ucrânia enfrenta desafios significativos na sua exploração, uma vez que muitas das jazidas mais valiosas se encontram em zonas de conflito ou ocupadas pela Rússia. Zelensky indicou que cerca de 20% das reservas minerais conhecidas do país estão atualmente sob controlo das forças russas.

Entre os depósitos estratégicos sob ameaça destaca-se Novopoltavske, um dos maiores do mundo em terras raras, situado na província de Zaporíjia, atualmente ocupada pelo exército russo. Já o gigantesco depósito de lítio de Shevchenko, localizado na província de Donetsk, encontra-se apenas a sete quilómetros da linha de frente, onde as forças do Kremlin têm vindo a ganhar terreno.

O maior depósito de terras raras da Ucrânia, segundo o Serviço de Estudos Geológicos do país, está dividido entre áreas ocupadas pela Rússia e territórios sob controlo de Kiev, abrangendo as províncias de Zaporíjia, Donetsk e Dnipro.

Um braço de ferro político e económico
A insistência de Washington em obter concessões económicas da Ucrânia reflete uma mudança estratégica na abordagem norte-americana ao conflito. Se, nos primeiros anos da guerra, a retórica dos EUA se centrava na defesa da soberania ucraniana e na oposição à agressão russa, agora, sob a liderança de Trump, os interesses financeiros e comerciais estão a assumir um papel central na relação bilateral.

A recusa de Zelensky em aceitar as condições impostas pelos EUA levanta questões sobre a continuidade do apoio ocidental à Ucrânia. Com Trump a negociar diretamente com Putin e a exigir garantias económicas em troca de assistência militar, Kiev poderá enfrentar um cenário de crescente isolamento, num momento em que o conflito no terreno continua a evoluir a favor da Rússia.

A posição ucraniana mantém-se firme: sem garantias claras de segurança, não haverá cedências nos recursos naturais. No entanto, a pressão norte-americana não dá sinais de abrandar, e o destino deste impasse poderá determinar o futuro da guerra na Ucrânia e a sua posição na nova ordem geopolítica mundial.