Jornalista condenada a pagar seis mil euros por difamação após acusar antigo editor de assédio sexual

O Juízo Criminal de Lisboa condenou a jornalista Joana Emídio Marques ao pagamento de uma multa de seis mil euros por difamação com publicidade, na sequência de acusações de assédio sexual dirigidas ao antigo editor Manuel Alberto Valente. A sentença, proferida no passado dia 8 e assinada pela juíza Vânia Cardoso, obriga ainda a jornalista a publicar a decisão num jornal. Joana Emídio Marques já confirmou ao jornal Público que irá recorrer.

O caso remonta a 30 de abril de 2021, quando Joana Emídio Marques publicou na rede social Facebook que, em 2011, durante um jantar de trabalho, Manuel Alberto Valente, então editor na Porto Editora, teria feito comentários de teor sexual e tentado forçar-lhe um beijo. A jornalista relataria posteriormente o episódio com mais detalhe num texto publicado na revista Sábado. À data, trabalhava no Diário de Notícias e Valente ocupava um cargo de chefia na editora — que deixaria para a reforma em 2020. As acusações, que incluíam uma alusão a medicação para disfunção eréctil, foram sempre negadas por Valente, que considerou as declarações “falsas” e “extremamente graves”, tendo optado por apresentar queixa-crime.

A decisão judicial surge num contexto marcado por denúncias públicas de assédio no meio artístico e mediático português, impulsionadas por declarações como as da atriz Sofia Arruda, que em entrevista à SIC relatou ter sido assediada por um superior. Naquela altura, surgiram múltiplos testemunhos, mas poucos identificavam os alegados agressores. Joana Emídio Marques foi uma das primeiras mulheres a nomear publicamente o alegado autor do comportamento, o que intensificou o debate sobre a denúncia de assédio em Portugal.

Em reação à sentença, a jornalista recorreu novamente ao Facebook, onde publicou um poema com duras críticas ao que considera ser um sistema que protege o poder dominante: “Quando alguém te persegue e oprime, não é pelas tuas qualidades — é pelas qualidades deles, é pelo poder que possuem de te perseguir, de te pisar e ainda de te fazerem sentir culpado.” A publicação suscitou uma onda de solidariedade, incluindo ofertas para ajudar no pagamento da multa e apelos ao recurso.

Manuel Alberto Valente anunciou publicamente a condenação na mesma rede social, reafirmando a sua posição de inocência e rejeitando o que chamou de “justicialismo de praça pública”. Em 2021, questionada pelo jornal público, a Porto Editora afirmou não ter conhecimento de qualquer queixa formal contra o ex-editor nem de outros casos semelhantes, mas não esclareceu se a empresa dispunha de mecanismos internos para lidar com denúncias de assédio.

Embora o assédio sexual esteja previsto no Código do Trabalho, não é autonomamente tipificado no Código Penal, sendo normalmente enquadrado como crime de importunação ou perseguição. Especialistas sublinham que se trata de um crime subdenunciado, muitas vezes devido ao receio de represálias profissionais ou da dificuldade em produzir prova. Segundo o livro #MeToo: Um Segredo Muito Público (2024), baseado em estudos internacionais, apenas entre 2% e 10% das queixas por crimes sexuais são consideradas falsas.

A sentença ainda não transitou em julgado, o que significa que poderá ser revertida em sede de recurso. Enquanto isso, o caso continua a alimentar o debate sobre o assédio, a liberdade de expressão e a instrumentalização dos processos por difamação — frequentemente vistos como formas de “lawfare”, ou guerra jurídica, que desafiam os limites entre justiça e silenciamento público.