Invasão sem derramar (muito) sangue. Como é o plano da China para fazer Taiwan render-se

Pequim pode estar a desenvolver uma estratégia que evita o uso de força militar direta para subjugar Taiwan, poupando-se assim de consequências económicas, políticas e diplomáticas, ao mesmo tempo que procura evitar uma guerra com os EUA e os seus aliados.

O Estreito de Taiwan nunca foi conhecido pela sua estabilidade, mas o verão de 2023 elevou as tensões para um nível sem precedentes. Navios chineses capturaram pescadores taiwaneses perto das Ilhas Kinmen, e a Zona de Defesa Aérea de Taiwan (ADIZ) foi violada repetidamente, com até 66 aeronaves chinesas a sobrevoar a área. A retórica de Pequim intensificou-se, acompanhada de novas leis que preveem penas de morte para “separatistas taiwaneses irredutíveis”. Apesar disso, muitos especialistas acreditam que a China poderia seguir um caminho alternativo para levar Taiwan a render-se ao regime de Pequim, evitando assim uma invasão militar que poderia desencadear um conflito com os Estados Unidos.

Invadir Taiwan seria uma tarefa difícil. Além de defesas naturais robustas, as forças armadas taiwanesas têm-se preparado durante anos para uma possível invasão. O chefe do Estado-Maior de Taiwan, em diversas ocasiões, deixou claro que o seu objetivo é aumentar ao máximo os custos de qualquer tentativa de ocupação, para que “todos os dias Xi Jinping acorde a pensar que ‘hoje não é o dia’”. Contudo, Pequim está consciente dos riscos de uma operação militar – desde as elevadas baixas que poderia sofrer, até à possibilidade de uma guerra com os EUA e aliados. Além disso, uma invasão poderia manchar a imagem internacional da China, provocar sanções económicas severas e isolar o país diplomaticamente.

Por estas razões, Xi Jinping pode estar a considerar uma abordagem mais subtil e prolongada. Esta estratégia incluiria ações coercitivas, mas sem cruzar a linha que poderia provocar uma guerra. “Não acredito que haja uma invasão”, afirma ao EL Confidencial um jornalista ocidental residente em Taipé. “Faz mais sentido recorrer a ações que, a longo prazo, forcem Taiwan a aceitar um ultimato, tal como vimos com a imposição de leis em Hong Kong.” A especialista fez referência ao desmantelamento de facto da autonomia de Hong Kong a partir de 2020, apesar dos acordos internacionais com o Reino Unido que deveriam vigorar até 2047.

Uma inevitabilidade histórica

Esta jornalista, que foi expulsa da China devido às suas reportagens críticas, agora reside em Taiwan e expressa a sua apreensão quanto ao futuro da ilha. Acredita que a China poderá aguardar pelas eleições nos Estados Unidos e, caso Donald Trump vença, tentar negociar com ele. Os EUA, possivelmente consumidos por questões internas, poderiam ser relutantes em intervir numa crise em Taiwan, especialmente se não houver derramamento de sangue. “Esta é a chave: não derramar (muito) sangue”, acrescenta.

Especialistas acreditam que a China intensificará gradualmente ações conhecidas como “táticas de zona cinzenta” – ações coercitivas que não são tecnicamente consideradas atos de guerra, mas que podem, ao longo do tempo, dar a Pequim uma vantagem estratégica e diplomática sobre Taiwan. Jennifer Kavanagh e Isaac Kardon, num artigo recente para a revista Foreign Affairs, sugerem que a política de Pequim considera a unificação com Taiwan como uma “inevitabilidade histórica” e que a estratégia mais provável será aumentar gradualmente a pressão militar e diplomática sobre a ilha.

Essas ações, segundo os especialistas ouvidos pelo mesmo jornal, poderiam confundir os aliados de Taiwan, dificultando uma resposta coordenada. Washington poderia ficar dividido sobre se a China ultrapassou ou não uma linha vermelha, o que deixaria grande parte da responsabilidade de resistir à pressão chinesa nas mãos de Taiwan.

Bloqueio naval e colapso económico

Um dos cenários que muitos observadores preveem é um bloqueio naval chinês que vise sufocar economicamente Taiwan. Pequim poderia optar por controlar o tráfego marítimo, inspecionar mercadorias e até impor um bloqueio total, interrompendo o comércio e os fornecimentos essenciais da ilha. Um bloqueio deste tipo poderia prejudicar a economia global, estimando-se que causaria danos de até 5 mil biliões de dólares, particularmente devido ao impacto na produção de microchips, um setor dominado por Taiwan.

O cenário de um bloqueio preocupa profundamente o governo de Taiwan. Ming Shih-shen, subdiretor do Instituto para a Investigação sobre Defesa e Segurança Nacional de Taipé, admitiu que a principal vulnerabilidade da ilha reside na sua dependência energética: “Temos reservas de petróleo suficientes para 180 dias, mas apenas gás natural para duas semanas”, afirmou. No entanto, especialistas dividem-se sobre a viabilidade de um bloqueio, com alguns a acreditar que esta estratégia acabaria por falhar e que a China teria muito a perder.

Dmitri Alperovitch, especialista em geopolítica, sublinha que um bloqueio económico completo seria desastroso para a própria China, que depende de tecnologias produzidas em Taiwan, como os semicondutores avançados. Além disso, Taiwan poderia retaliar com os seus mísseis de cruzeiro, colocando os principais portos chineses sob ameaça. Assim, qualquer tentativa de bloqueio económico poderia rapidamente escalar para um conflito militar aberto.

Uma campanha de quatro anos

Outro cenário possível, segundo um relatório conjunto do Instituto Americano de Empresas e do Instituto para o Estudo da Guerra, é uma campanha híbrida que evite um conflito direto. Neste cenário, a China exploraria as vulnerabilidades de Taiwan, incluindo o seu isolamento internacional e a falta de alianças formais, para minar a sua capacidade de resistir. A campanha, que poderia durar até quatro anos, teria três objetivos principais: enfraquecer a relação entre Taiwan e os Estados Unidos, degradar a capacidade de governança do governo taiwanês e reduzir a vontade do povo taiwanês de resistir.

Para isso, Pequim poderia recorrer a medidas de coerção económica, ciberataques para interromper serviços essenciais e até ações de sabotagem conduzidas por grupos criminosos. A ideia seria criar um ambiente de “sobrecarga cognitiva”, forçando as autoridades e a população a considerar a capitulação como a melhor saída para pôr fim ao sofrimento.

A campanha de ciberataques já está em andamento, de acordo com um alto funcionário de Taiwan, que revelou que a ilha é alvo de milhões de ataques diários. “Desde que Lai [Ching-te] assumiu o cargo, temos registado uma média de 2,8 milhões de ciberataques por dia”, revelou o funcionário. Contudo, ele permanece otimista: “O modelo ‘um país, dois sistemas’ já mostrou o seu valor em Hong Kong. Os taiwaneses valorizam demasiado as suas liberdades, e o povo resistirá”.

O futuro de Taiwan permanece incerto, mas uma coisa é clara: a China está disposta a usar todas as táticas disponíveis para forçar a ilha a capitular – sem necessariamente recorrer ao derramamento de sangue.

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