“Incentivos ajudam a produzir mais e a ganhar mais dinheiro”, diz João Koehler

Quando se cria uma empresa do zero, a possibilidade de sobrevivência é, estatisticamente, muito curta, ou seja, mais de 95% das empresas fecham e a possibilidade de vir a ter muito sucesso é ainda mais curta». Para dar resposta a este desafio, João Koehler destaca que é necessário muito capital intensivo e um ecossistema empresarial para as empresas vingarem. O que é que isso quer dizer? «Que o dinheiro tem de ser virtuoso. O que acontece em Portugal e na Europa é que muitas capitais de risco investem e não trazem ecossistema, negócio», começa por lançar. Em conversa com a Executive Digest, João Koehler revela como é que a sua experiência enquanto gestor e investidor moldou a forma como encara o mercado, destacando o papel da perseverança, da humildade e da capacidade de execução como factores-chave para o sucesso. O empresário analisou ainda as oportunidades e os entraves do cenário português, não poupando críticas à falta de “Smart Money” no País e à carga fiscal que dificulta a competitividade das empresas nacionais.
Entre reflexões sobre a Inteligência Artificial (IA), a reindustrialização europeia e o impacto do cenário geopolítico global, o investidor deixou conselhos práticos para os gestores que procuram navegar num mercado cada vez mais exigente e volátil. 

Diz que hoje se vê mais como investidor. O que mais o desafia e motiva neste papel?
Tive um percurso inicialmente atípico. Como todos os CEOs, fui primeiro um vendedor, aliás, o grande propósito de se criar uma empresa é criar clientes. Para mim, as empresas têm três grandes funções: criar um cliente, manter um cliente e fazer crescer um cliente dentro da empresa.
A questão mais importante é que, para termos sucesso no mundo dos negócios, temos de ter uma visão muito clara do que queremos em cada negócio, que inspire as empresas, mas é ainda mais importante ter boas equipas. Um dos factores mais importantes não é tanto o projecto em si, mas quem são as pessoas que estão por trás do projecto.
Actualmente, consigo gerir o meu tempo de uma forma mais racional, procuro ter boas equipas e invisto de uma forma muito racional.
Hoje consigo despir a minha faceta mais emocional para ser muito racional nos investimentos que faço. Quando estamos a gerir fundos com o dinheiro de outras pessoas, a responsabilidade é muito acrescida. Portanto, sou investidor, com muito cuidado, com uma perspectiva muito conservadora.
Neste papel de investidor, destaco que, para quem tem património ou está a gerir património de outros, quando se apresenta um negócio, a primeira grande questão que se vai colocar não é quanto vamos ganhar, mas sim qual a probabilidade de perdermos o dinheiro. A segunda pergunta que devo fazer é ‘o que posso fazer para mitigar o risco de perda do dinheiro’, e só depois pensamos quanto vamos ganhar.

Como analisa o ecossistema empreendedor português?
O ecossistema empreendedor é composto por aqueles que estão a criar empresas do zero, business angels, investidores, banca, entidades públicas, e nos últimos anos pouco tem mudado.
Quando eu era presidente da ANJE, acreditávamos que há uma lei que devia ser criminalizada, que é a que admite que a banca exija garantias pessoais para empréstimos a empreendedores. Estar a gerir um negócio e ter uma casa como garantia, é o fim da linha. Não é possível tomar decisões racionais e adequadas quando está em risco de ficar sem telhado.
Houve algo que falhou em Portugal ao longo dos últimos anos, não conseguimos criar qualquer instituição que consiga disponibilizar Smart Money’. Ou seja, para um empreendedor, que tem uma boa ideia de negócio, que tem capacidade de trabalho, perseverança, tem todas a qualidades, qual a coisa mais importante? Ter dinheiro e um cliente.
Até hoje não fomos capazes de gerar nenhuma instituição que tivesse no seu board elementos de grandes empresas e do Governo, onde ao mesmo tempo que se disponibilizava o dinheiro, se entregava dois POC (proof of concept) para o produto ser testado e ter um cliente.  O primeiro cliente é o mais importante.

Quando está a analisar um investimento numa empresa, quais os factores mais importantes que considera?
Depende se são empresas de serviços, de tecnologia ou indústrias. No entanto, a primeira característica é sempre a pessoa que está à frente do negócio. É a coisa mais importante, ter um bom CEO e boas pessoas com boas qualidades, sendo que as duas principais qualidades são a perseverança e a humildade.
A segunda é ser um produto escalável e que não seja muito complexo. Não podemos ter pessoas que querem fazer muitas coisas, muito complicadas, com muito pouco foco.
A terceira é, curiosamente, a rapidez execução, e também do lado de quem investe. E isto também é extensível às decisões do Governo. Por exemplo, temos agentes políticos e públicos que demoram muito tempo a tomar decisões, ou que não tomam quaisquer decisões, e têm de ser mais ágeis e sair da rotina dos procedimentos. 

A capacidade de internacionalização é fundamental para os novos negócios?
Obviamente. A não ser que seja uma microempresa com um negócio circunscrito e de proximidade, com uma escala muito curta, que não tenha, por exemplo, concorrência de um mercado como o chinês. São válidos na mesma, e bons negócios, mas são os imunes a muita concorrência.
A indústria e os negócios chineses vivem muito bem com a escala, ou seja, têm uma cadeia de abastecimentos muito eficaz, muito acesso a matérias-primas, uma capacidade de produção com muita automatização, e os números são insuperáveis.
Para além disso, o ambiente regulatório que existe na Europa relativamente aos compromissos com as agendas verdes, que os chineses não assinaram, tornam aqui a indústria muito pesada. Isto também se aplica à política fiscal na Europa, que é completamente adversa a este tipo de investimentos.

E o ESG é também importante ao considerar os investimentos?
É um peso, um fardo. Isto porque se todos tivessem de obedecer aos mesmos critérios estava correcto, no entanto, a partir do momento em que os outros não estão, temos de optar por exigir aos nossos empresários um conjunto de requisitos que os tornam menos competitivos.
Acho que o complexo de esquerda da Europa foi uma coisa terrível. Quando comparamos o sistema fiscal português com o americano, os americanos têm em alguns estados taxas de imposto regressivas, ou seja, quanto mais ganha, a taxa de imposto é menor. Isso era impensável em Portugal.
O que é bom para o ambiente económico é termos incentivos para produzir mais e ganhar mais dinheiro.  Portanto, quando existe um compromisso da Europa com o ambiente, podemos viver com esse compromisso, mas temos de aceitar as consequências, que são a perda de competitividade e de empregos.
Olhando para 2025, vai ser um ano muito duro. A Europa teve uma performance muito má em 2024, aliás, o índice bolsista europeu está com um múltiplo de avaliação que é bem mais baixo que o S&P, o que me levaria a pensar que este ano é boa ideia investir em empresas europeias. Em princípio, seria isso que funcionava, porque há uma assimetria de valorização, portanto, o mercado bolsista tende a reflectir a actividade económica.
No entanto, há desafios muito grandes. Se, por um lado, nós estamos desde abril de 2024 com descida das taxas de juro, o que foi muito importante para estimular o investimento, por outro lado temos o lançamento de tarifas alfandegárias dos EUA, e qualquer tarifa nova vai resultar num aumento dos preços, portanto, temos de estar preparados.

Se as empresas forem proactivas, poderá ser uma oportunidade para a Europa?
Acho que sim. A ideia da reindustrialização europeia é interessante, porque está relacionada com a soberania dos Estados.
Considero que há oportunidades de reindustrialização na Europa, e em Portugal também. No entanto, temos de procurar escala e indústrias de nicho, muito especializadas, com muita precisão, a capacidade de entrega just in time, negócios de proximidade, em que temos vantagens na Europa face a outras geografias mais distantes.

E a IA continuará a ser uma área onde é estratégico investir?
Sim. Ainda estamos no início, acho que a Nvidia é a nova Apple. Sou um investidor na Nvidia há muito tempo, em contraciclo com o que os agentes económicos e os advisors recomendavam, mas a IA é super importante.
O investimento em microprocessadores é muito importante, e em Portugal há um exemplo curioso. Em Vila do Conde tivemos a maior empresa exportadora do País que era a Quimonda. Essa empresa tinha uma divisão que fazia placas gráficas, circuitos, que estão na base daquilo que é os grandes avanços da IA. Nós tínhamos gente com competência e capacidade de produção nesta área. A empresa fechou, e hoje se quisermos entrar nesse negócio o investimento serão sempre acima de 10 biliões de euros.
A IA vai ter um impacto muito grande na vida das pessoas e das empresas, porque há um conjunto de funções que vão deixar de existir e ser substituídas por IA. A capacidade para utilizar IA vai ser muito decisiva nos tempos que correm.

Portugal tem mesmo capacidade para ser um hub mundial de inovação?
Temos boas condições, jovens com boa formação, mas não temos capacidade muito acima de outros países, que até têm um ambiente mais interessante para os nossos jovens formados do que em Portugal. Portanto, eu diria que o cenário para o nosso país não é espectacular.
As coisas não acontecem por acaso. Porque é que Portugal está na cauda da Europa? Uma carga fiscal pesada, uma percentagem elevada da população que depende do Estado, num país onde em mais de 85% dos concelhos têm como maior empregador o Estado, e em actividades que não são virtuosas nem reproduzem dinheiro.
Portugal tem outro problema que é o “shortage” de capital, nós temos pouco capital. E só conseguimos fazer isso que voltarmos ao básico. Como é que conseguimos ter mais capital? Temos de vender mais do que compramos. 

No cenário geopolítico actual, que conselhos daria aos gestores?
O que é mais óbvio para alguém que tem uma empresa portuguesa em Portugal é apostar na proximidade no nosso mercado natural, que é a Europa, mais tradicionalmente Espanha, Alemanha, França, Itália, porque temos uma vantagem competitiva grande e os custos de transporte estão optimizados.
Também temos uma outra vantagem em comparação com os países europeus que é no EMEA, região que inclui a Europa, Médio Oriente e África, aproveitando o crescimento exponencial dos dois últimos. São os sítios onde se vai crescer mais.
A nossa aposta deveria passar por estes mercados.

Que conselho daria ao jovem João Koehler quando começou a trabalhar?
o que sei hoje, teria muito mais sucesso. Seria mais focado nos negócios que são rentáveis, não faria nenhum investimento em seed que é um negócio muito perigoso, e em muitas situações não segui o instinto que devia ter seguido.