“Há um novo clima…”: especialistas avisam que Portugal pode vir a sofrer episódios como as cheias mortais de Valência

João Camargo, especialista em alterações climáticas, avisou que fenómenos como as cheias registadas em Valência podem vir a acontecer em Portugal. Recorde-se que as cheias na cidade da Comunidade Valenciana, a 29 de outubro último, causou a morte de 232 pessoas.

A maioria das vítimas em Valência morreu antes de ser enviado o alerta da proteção civil para os telemóveis da população, segundo o primeiro relatório da investigação judicial, conhecido a 26 de fevereiro. O alerta da proteção civil foi enviado às 20:11, horas depois de, ao início da manhã do mesmo dia, ter sido emitido um aviso vermelho (o mais grave) pelos serviços de meteorologia espanhóis.

“Vivemos nos primeiros anos de um novo clima”, começou por referir o especialista à ‘CNN Portugal’. A culpa, garantiu, da maior intensidade de fenómenos meteorológicos está “nas temperaturas elevadas do Atlântico, a melhor explicação para aquilo que está a acontecer em Portugal”. “O centro da Europa está basicamente uma primavera, neste momento, sem chuva, com sol, exatamente o oposto do que está a acontecer na Península Ibérica”, indicou, devido a “um anticiclone dos Açores mais fraco e uma interação com as altas temperaturas do Mediterrâneo”. Tudo somado, “produz uma atmosfera muito mais carregada de energia e que despeja essa energia sob a forma de precipitação, mas também como agitação marítima, ventos…”

“É esta a nossa infeliz realidade, na qual temos de atuar, tanto na parte de preparação para as alterações climáticas, como no corte radical das emissões de gases com efeito de estufa, que é a única solução para este problema”, salientou o especialista.

“O ano passado foi o ano em que houve nove furacões no Atlântico, em média temos normalmente sete, alguns bastante fora de época, cinco acima da categoria três, com ventos superiores a 180 quilómetros por hora”, adiantou. “Tudo isto interage, depois, com litorais mais vulneráveis e com todas as fragilidades da construção dessas cidades, desses territórios, muitos deles litorais muito disfuncionais, muitos deles transformados em colónias de férias.”

“Estas alterações climáticas, ao causarem mais incêndios no verão, vão desnudar os solos e estas alterações climáticas vão também causar precipitações muito acentuadas nos invernos, o que vai causar as inundações agravadas pelos incêndios que consumiram as florestas durante o verão”, salientou Pedro Bingre do Amaral, especialista em planeamento regional e urbano e Ciências do Ambiente.

“Este é um problema bastante notório, particularmente na fachada litoral do nosso país, onde o relevo, o substrato geológico e também o impacto frontal destas grandes precipitações vai fazer efeito nessas correntes torrenciais. Os serviços florestais, ao longo do século XX, fizeram imensas obras de correção torrencial no centro Oeste. E isto é algo que tem de ser feito, tem de voltar a ser feito”, avisou, lembrando a tragédia em Espanha.

“O caso particular de Valência, além do problema da descoordenação da proteção civil, foi também um caso de construção indevida em leitos de cheia, na qual também temos com abundância”, avisou, secundado por João Camargo: Portugal tem “ainda as cidades completamente tapadas, sem capacidade de infiltração de água” e essa desobstrução é “algo em que devemos apostar seriamente nos próximos anos, mobilizar recursos nesse sentido, mas que interagem com um território extremamente vulnerável e que infelizmente não devemos excluir que aconteçam novamente em Portugal”.

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