
Gripe das aves tem-se espalhado sem deteção entre vacas e veterinários nos EUA, revela relatório do CDC
A gripe aviária (H5N1) tem-se propagado silenciosamente entre vacas leiteiras nos Estados Unidos desde 2023, com novos dados a sugerirem que o vírus pode estar a escapar à deteção em humanos. De acordo com um relatório recente do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, três veterinários testaram positivo para anticorpos contra o vírus, apesar de nunca terem apresentado sintomas.
Os dados reforçam a preocupação de que a atual estratégia de rastreio baseada apenas em casos sintomáticos pode estar a subestimar o número real de infeções.
O primeiro surto de H5N1 em vacas leiteiras nos Estados Unidos foi reportado em março de 2024. Desde então, a doença alastrou-se a 968 explorações, segundo o CDC. Até ao momento, foram registados 68 casos confirmados em humanos e uma morte, mas as autoridades garantem que não há evidências de transmissão entre pessoas.
O vírus, que tradicionalmente afeta aves selvagens e aves de capoeira, tem sido monitorizado de perto devido ao risco de adaptação para uma transmissão sustentada entre humanos.
Veterinários infetados não apresentaram sintomas
Para compreender melhor a exposição humana ao vírus, o CDC analisou 150 veterinários de gado leiteiro nos EUA e no Canadá, testando o seu sangue para anticorpos contra o H5N1.
Os resultados revelaram que três veterinários nos Estados Unidos tinham desenvolvido anticorpos, sugerindo que foram infetados em algum momento. No entanto, nenhum deles relatou sintomas, como febre ou conjuntivite – esta última, um sinal comum de infeção humana com gripe aviária.
Estes achados levantam preocupações sobre a real extensão do surto e a eficácia dos atuais métodos de monitorização. O CDC alertou que a estratégia de rastreio baseada apenas em casos sintomáticos pode estar a falhar na deteção de infeções em humanos.
Vacas podem estar infetadas em estados ainda não identificados
Outro aspeto preocupante revelado pelo estudo foi que nenhum dos veterinários trabalhava diretamente com vacas conhecidas por estarem infetadas com gripe aviária.
Um dos profissionais teve contacto com aves infetadas, enquanto outro tratou de vacas em estados onde a doença ainda não foi oficialmente identificada em bovinos ou humanos.
Este dado sugere que o vírus pode estar a circular em explorações pecuárias que ainda não foram identificadas como focos de infeção, o que complica os esforços para conter o surto.
Especialistas alertam para risco de mutação do vírus
O professor Rowland Kao, especialista em epidemiologia veterinária e ciência de dados da Universidade de Edimburgo, afirmou ao Euronews Health que os novos dados não são surpreendentes, mas indicam que erradicar o surto será mais difícil do que o esperado.
“Cada vez que um humano se infeta, há a possibilidade de uma evolução direta do vírus ou de uma recombinação com a gripe sazonal. Ainda não chegámos ao ponto em que possamos dizer que isso é altamente improvável”, alertou o especialista.
Kao também sublinhou que, embora seja cedo para prever as implicações a longo prazo, o H5N1 “está a comportar-se de formas que nunca vimos antes”.
“Está a infetar espécies novas, a espalhar-se geograficamente de maneira incomum e a circular entre mamíferos na América do Sul. Tudo isto indica que podem surgir surpresas, e nós não gostamos de surpresas”, acrescentou.
CDC apela à rápida identificação de vacas infetadas
Face à crescente preocupação, o CDC reforçou a importância da deteção rápida de infeções em vacas leiteiras. A agência destacou a necessidade de testes de rebanho e de leite em grande escala, uma estratégia recentemente anunciada pelo Departamento de Agricultura dos EUA.
Até agora, não foram registados casos de H5N1 em humanos ou bovinos na Europa, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC).
No seu último relatório de ameaças sanitárias, o ECDC classificou o risco para a população geral como “baixo” e para trabalhadores expostos a animais infetados como “baixo a moderado”.
A entidade também destacou que o genótipo do H5N1 detetado em bovinos e humanos nos EUA ainda não foi identificado na Europa. No entanto, outra variante do vírus, já encontrada em aves na Europa e na América do Norte, foi associada a casos isolados em humanos e num bovino nos EUA.
O ECDC garantiu que continua a monitorizar a situação em colaboração com outras organizações europeias de saúde pública.
Estudo do CDC sofreu atraso devido a restrições governamentais
Apesar da importância dos novos dados, o relatório do CDC sofreu atrasos na sua divulgação. De acordo com vários meios de comunicação norte-americanos, o estudo ficou retido devido a uma diretiva da administração de Donald Trump, que impôs restrições às comunicações das agências de saúde dos EUA.
Segundo essas informações, a administração Trump determinou que todos os documentos destinados ao público fossem previamente analisados por assessores nomeados pelo presidente. Esta situação gerou preocupações sobre transparência e possível censura de informações sensíveis.
O que esperar nos próximos meses?
Com o H5N1 a espalhar-se entre espécies animais inesperadas, os especialistas mantêm-se vigilantes quanto à possibilidade de adaptação do vírus para uma transmissão mais eficiente entre humanos.
Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde intensificam os esforços de monitorização em vacas leiteiras e tentam compreender o verdadeiro impacto da infeção em humanos.
Na Europa, embora o risco continue baixo, as entidades sanitárias permanecem atentas a possíveis novos desenvolvimentos. O surto nos EUA coloca desafios para a saúde pública global, e a possibilidade de mutações inesperadas continua a ser um dos principais receios da comunidade científica.