Governo já entrou em gestão: o que significa e quais são as limitações?

A rejeição da moção de confiança apresentada pelo primeiro-ministro levou à queda do Governo, que permanecerá agora em gestão até à aprovação do programa do próximo executivo pela Assembleia da República, já depois das eleições legislativas que se realizarão em maio. Mas quais são as limitações de um governo em gestão e o que significa esta condição para a governabilidade do país?

O que significa um governo em gestão?
De acordo com a Constituição da República Portuguesa, a não aprovação de uma moção de confiança está entre as circunstâncias que implicam a demissão do Governo, conforme o artigo 195.º. Quando um governo é demitido, passa a estar sujeito ao regime de gestão, conforme estipulado pelo artigo 186.º, que determina que o executivo se deve limitar à “prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

No entanto, esta expressão tem sido objeto de interpretações e debates sobre o que realmente constitui um “ato estritamente necessário”. Em 2002, o Tribunal Constitucional (TC) produziu um acórdão que esclarece o alcance da norma, concluindo que um governo demissionário não tem limitações absolutas nas suas decisões, desde que estas sejam justificadas pela sua necessidade.

Critério de “estrita necessidade”
O critério estabelecido pelo TC defende que a atuação de um governo em gestão deve obedecer à “estrita necessidade da sua prática”, ou seja, um ato deve ser inadiável ou absolutamente necessário à gestão pública. Foi com base neste princípio que, em 2002, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, solicitou esclarecimento ao TC sobre se o governo demissionário de António Guterres poderia aprovar um decreto-lei relativo à gestão dos hospitais e centros de saúde.

Esta jurisprudência serve como referência para avaliar até onde o atual executivo pode atuar enquanto permanecer em funções.

Impacto na governação
Na prática, a gestão do Governo fica limitada a atos administrativos essenciais, nomeadamente:

  • Pagamento de salários e despesas correntes da administração pública;
  • Cumprimento de compromissos internacionais e europeus;
  • Garantia da continuidade de serviços públicos essenciais;
  • Decisões urgentes na área da segurança, saúde e proteção civil.

No entanto, o Governo não pode implementar novas políticas, aprovar orçamentos, fazer nomeações de alto nível ou tomar decisões estruturais que vinculem o executivo seguinte.

Contexto político
A crise política que levou à queda do Governo teve origem em notícias sobre a empresa familiar do primeiro-ministro, a Spinumviva, anteriormente detida por Luís Montenegro e posteriormente transferida para a sua mulher e filhos. Este caso levou à apresentação de duas moções de censura, pelo Chega e pelo PCP, ambas chumbadas. Diante da insistência dos partidos da oposição, Montenegro optou por apresentar uma moção de confiança, que acabou rejeitada pelo Parlamento esta terça-feira, precipitando a queda do executivo.

Em resposta às dúvidas suscitadas sobre a empresa, o PS apresentou um requerimento para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, com um prazo de 90 dias para produzir conclusões. O Governo tentou negociar uma redução deste prazo para 15 dias, mas a proposta foi rejeitada pelo PS. Posteriormente, o PSD sugeriu um compromisso intermediário, propondo que o inquérito durasse até ao final de maio, proposta também recusada.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já admitiu a marcação de eleições legislativas antecipadas para meados de maio. Até lá, o Governo permanecerá em regime de gestão, limitado à prática de atos essenciais para o funcionamento do Estado, sem margem para decisões estruturais ou estratégica.