Governo da Gronelândia dá ‘golpe’ a Trump e faz acordo de minerais com consórcio europeu

A Gronelândia atribuiu uma concessão mineira por 30 anos a um consórcio dinamarquês-francês para a exploração de anortosito, um tipo de rocha branca com elevado potencial para substituir matérias-primas mais poluentes na produção de alumínio com baixa pegada de carbono. A decisão representa um marco na estratégia de diversificação económica da ilha e um sinal claro de aproximação à Europa, numa altura em que os Estados Unidos voltam a manifestar interesse estratégico pelo território.

A licença foi atribuída à Greenland Anorthosite Mining (GAM), uma empresa apoiada pelo grupo francês Jean Boulle e por entidades públicas de investimento da Dinamarca e da própria Gronelândia. O projeto está localizado na região do fiorde de Qeqertarsuatsiaat, na costa ocidental da ilha, segundo noticiou a agência Reuters.

A anortosito é uma rocha composta por alumínio, micro sílica e cálcio, com propriedades semelhantes às amostras recolhidas durante as missões Apollo da NASA. Inicialmente, a GAM prevê exportar a rocha triturada para a indústria de fibra de vidro, onde poderá substituir o caulino como alternativa menos poluente. A médio e longo prazo, a empresa planeia utilizar a anortosito como substituto da bauxite na produção de alumínio — um sector que procura urgentemente reduzir o seu impacto ambiental.

“Espero que a mina esteja operacional dentro de cinco anos”, afirmou a ministra dos Recursos Minerais da Gronelândia, Naaja Nathanielsen, que regressou recentemente ao governo após a formação de um executivo mais orientado para o investimento e o desenvolvimento económico. Nathanielsen sublinhou que o projeto está alinhado com os objetivos nacionais de atrair investimento de forma controlada e sustentável.

Trump volta a demonstrar interesse, mas sem impacto económico
O anúncio do projeto surge poucos meses depois do presidente dos EUA, Donald Trump, ter reiterado publicamente a sua intenção de comprar a Gronelândia — uma proposta que já tinha causado polémica em 2019. Apesar da retoma do discurso, a ministra Nathanielsen assegura que tal retórica não teve reflexos concretos. “Neste momento, toda essa agitação não se traduziu num maior apetite por investir diretamente na Gronelândia”, declarou à Reuters.

Embora algumas delegações empresariais norte-americanas tenham visitado a ilha desde o início do ano, não foram iniciadas negociações formais com a administração Trump. Em contraste, os laços com os parceiros europeus têm-se intensificado. “Não há dúvida de que o diálogo com a UE e com a Dinamarca decorre de forma mais fluida”, referiu Nathanielsen, acrescentando que essa aproximação é fruto não só da inércia da política externa norte-americana, mas também de anos de reforço da cooperação europeia.

Primeiro grande projeto mineiro sob novo governo
O projeto da GAM é a primeira grande iniciativa de mineração aprovada desde a mudança de governo em Nuuk, e está a ser encarado como um teste à capacidade da Gronelândia para desenvolver projetos industriais de grande escala sem comprometer os padrões ambientais nem os interesses das comunidades locais.

A Gronelândia, território autónomo do Reino da Dinamarca, possui vastas reservas de minerais raros, hidrocarbonetos e outras matérias-primas industriais. No entanto, o desenvolvimento do setor mineiro tem sido lento, travado por fatores como a complexidade burocrática, a falta de investimento estrangeiro e as preocupações ambientais. Atualmente, apenas duas pequenas minas estão em operação.

O envolvimento de fundos públicos tanto da Gronelândia como da Dinamarca no projeto da GAM reflete um modelo híbrido: atrair conhecimento e capital estrangeiros, mas assegurando simultaneamente que os benefícios económicos e a supervisão permanecem nas mãos locais.

Potencial geopolítico e estratégico do alumínio verde
Embora a GAM ainda não tenha divulgado previsões completas de produção, o alinhamento do projeto com os objetivos ecológicos da indústria europeia — especialmente no fabrico de fibra de vidro e, futuramente, alumínio — pode colocar a Gronelândia como fornecedora de nicho de matérias-primas de baixo impacto ambiental.

O alumínio é uma matéria-prima essencial para setores como a aeronáutica, a indústria automóvel e a defesa. Substituir a bauxite por anortosito no processo de refinação pode reduzir significativamente as emissões de carbono, desde que a nova matéria-prima se revele compatível com as infraestruturas industriais existentes.

Para os defensores da mineração na Gronelândia, o projeto da GAM representa um passo importante na direção da independência económica. A economia da ilha depende fortemente das pescas e de subsídios anuais da Dinamarca. O desenvolvimento de recursos naturais é, para muitos, essencial à autonomia financeira. No entanto, há quem alerte para os riscos ambientais associados à exploração industrial em regiões sensíveis do Ártico.

A decisão de avançar com a extração de anortosito sinaliza, assim, não apenas uma aposta na transição energética europeia, mas também uma reafirmação da soberania da Gronelândia face a pressões geopolíticas externas — e, em particular, ao interesse reiterado dos Estados Unidos.