
Governo acelera entrega de estradas nacionais, mas sem compensação financeira para câmaras
O Governo pretende acelerar a transferência de estradas nacionais desclassificadas para os municípios, mas sem atribuir qualquer contrapartida financeira. Segundo o projeto de decreto-lei já aprovado em Conselho de Ministros, as autarquias que aceitarem assumir essas vias “prescindindo integral e definitivamente de recursos financeiros” poderão receber a posse das estradas sem necessidade de aguardar pelo aval dos ministros das Finanças e das Infraestruturas.
Até ao primeiro semestre de 2024, apenas 474,2 quilómetros de estradas nacionais desclassificadas passaram para a alçada das autarquias, o que representa 13% da rede total que o Estado pretende descentralizar, segundo revela o Jornal de Notícias. O Executivo justifica a nova abordagem com a necessidade de “simplificar” o processo de transferência, especialmente nos troços situados em perímetros urbanos. No entanto, a solução proposta exige que os municípios abdiquem de qualquer financiamento para a manutenção e requalificação das vias, muitas das quais se encontram em estado degradado e carecem de investimentos avultados.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) já manifestou a sua oposição à medida, considerando que esta “viola os princípios basilares da lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais”.
A ANMP recorda que, desde janeiro de 2019, os municípios aguardam que o Estado cumpra a legislação que prevê a descentralização da gestão das estradas nacionais. De acordo com os autarcas, esse processo deveria incluir um relatório detalhado sobre o estado de conservação das vias, os títulos de utilização existentes e os montantes que a Infraestruturas de Portugal (IP), validada pela tutela, estaria disposta a pagar para que as câmaras assumam a responsabilidade pelas estradas nos seus territórios.
“A maioria dos orçamentos municipais não suporta os custos das intervenções necessárias, sendo imprescindível acautelar o seu efetivo financiamento”, adverte a ANMP, num parecer enviado ao Governo.
O projeto de decreto-lei a que o Jornal de Notícias teve acesso sublinha que muitos municípios têm demonstrado interesse em administrar estas estradas. No entanto, o Governo impõe que a aceitação das vias implique a renúncia total e definitiva a qualquer apoio financeiro para conservação e reabilitação.
A ausência de compensação financeira tem sido o maior entrave à concretização da descentralização. Até agora, os valores oferecidos pela IP foram considerados insuficientes pelos autarcas, o que resultou no bloqueio de inúmeros processos de transferência.
Os dados revelam a dificuldade do Estado em concluir a passagem dos 3530 quilómetros de estradas nacionais desclassificadas para os municípios. Entre 2016 e junho de 2024, apenas 474,2 quilómetros mudaram de gestão. O melhor ano foi 2023, com a entrega de 118 quilómetros, mas no primeiro semestre de 2024 o processo praticamente estagnou, com apenas 1,2 quilómetros transferidos.