Gouveia e Melo disse que “daria um péssimo político” e pediu uma corda “se algum dia caísse na tentação da política”. Mas acabou candidato à Presidência

Henrique Gouveia e Melo confirmou esta quarta-feira que vai candidatar-se à Presidência da República. Depois de meses de especulação e de uma longa série de declarações em que negava qualquer intenção de enveredar pela política, o antigo Chefe do Estado-Maior da Armada deu finalmente o passo em frente: “A minha decisão é avançar com a candidatura à Presidência da República”, declarou à Rádio Renascença, acrescentando que “desta vez não há dúvidas”.

O anúncio oficial da candidatura está agendado para o próximo dia 29 de maio, mas o almirante justificou o adiantamento da confirmação com a necessidade prática de começar a organizar a cerimónia: “O tempo para o anúncio da minha candidatura começa a ser curto, porque preciso de enviar convites para a cerimónia. E, portanto, seria, como se diz, um segredo muito mal guardado.”

A decisão agora assumida contrasta de forma frontal com as posições públicas que Gouveia e Melo tem vindo a defender nos últimos anos. “Acho que daria um péssimo político”, afirmou em setembro de 2021, em entrevista à agência Lusa, numa altura em que ganhava protagonismo nacional como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19. Na mesma ocasião, sustentava que “devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de atuação completamente diferentes”, acrescentando ainda que “a democracia não precisa de militares”.

Num tom ainda mais contundente, o almirante chegou a dizer: “Se algum dia caísse na tentação da política, deem-me uma corda para me enforcar.” Declarações essas que se tornaram célebres e foram frequentemente recuperadas sempre que o seu nome surgia associado a uma possível candidatura a Belém.

Apesar das recusas repetidas, Gouveia e Melo era recorrentemente apontado pelas sondagens como uma das personalidades mais bem posicionadas para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Em dezembro de 2023, confrontado mais uma vez com essa hipótese, reafirmava: “Eu já disse que não, espero que percebam o ‘não’ e não insistam na mesma pergunta 300 vezes.” Na altura, dizia-se indiferente ao apelo popular e às sondagens.

A mudança de contexto internacional e nacional
O que o levou, então, a recuar na sua posição? Segundo explicou agora à Renascença, foi a evolução do contexto global e interno. “O mundo mudou bastante desde o final de 2023”, afirmou, referindo-se concretamente à guerra na Ucrânia, ao regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e a sinais de instabilidade interna em Portugal.

“Nós estamos perante uma nova tentativa de edificação de uma ordem mundial que pode ser perigosa ou que pode afetar-nos de forma significativa. E também, de alguma forma, alguma instabilidade interna que se tem prolongado. Tudo isso fez-me mudar de opinião”, declarou.

Gouveia e Melo esclareceu que, apesar da confirmação da candidatura antes das eleições legislativas, não pretende interferir no atual ciclo político: “Só começarei a intervir no espaço político alargado a partir da data da formalização da candidatura.” Já em abril tinha admitido que a decisão estava tomada, mas optou por adiar o anúncio oficial por respeito ao processo eleitoral: “Agora é tempo para os portugueses serem informados das diferentes propostas para a futura governação do país. Não quero contribuir nesta fase para um ruído que acho que é desnecessário.”

Uma presidência com “visão estratégica”
Se for eleito, o antigo militar acredita que poderá dar um contributo “muito decisivo para a estruturação da política a médio e longo prazo”, oferecendo ao país uma “visão estratégica”. Garante ainda que será um Presidente muito diferente de Marcelo Rebelo de Sousa: “Caso os portugueses considerem que eu tenho condições para ser Presidente da República, a minha forma de atuar será muito diferente do atual Presidente.”

A sua entrada na corrida presidencial promete agitar o panorama político português. A confirmação da candidatura, que até agora parecia um cenário improvável, marca um ponto de viragem para uma figura que ganhou notoriedade pública pela liderança operacional durante a crise pandémica e que agora ambiciona ocupar o mais alto cargo da República — mesmo depois de jurar que jamais o faria.