Genéricos em risco de desaparecer: nova diretiva europeia pode fazer disparar preços em até 800%

A recente aprovação da nova Diretiva de Tratamento de Águas Residuais Urbanas pela União Europeia está a provocar grande inquietação no setor dos medicamentos genéricos. A Equalmed — Associação Portuguesa de Medicamentos pela Equidade em Saúde — lançou um sério alerta esta quinta-feira, advertindo que as consequências da aplicação da nova legislação podem levar ao desaparecimento de algumas moléculas farmacêuticas do mercado português e europeu, com particular impacto nos genéricos.

A diretiva introduz a aplicação direta do princípio do poluidor-pagador, que, segundo os representantes da indústria, penaliza injustamente o segmento dos genéricos — responsável pela maior parte do volume de medicamentos vendidos na Europa, mas com margens financeiras muito mais reduzidas.

“A indústria de genéricos na Europa tem uma quota de cerca de 80% do volume, para apenas cerca de 20% daquilo que é o custo. É aquela que seria mais impactada com esta medida. Isto pode significar tão simplesmente que algumas moléculas sejam inviáveis do ponto de vista económico em termos de comercialização”, afirmou João Paulo Nascimento, representante da Equalmed, em declarações à Renascença.

O responsável sublinhou ainda que os custos associados ao cumprimento da nova diretiva poderão ser insuportáveis para muitos fabricantes de genéricos, comprometendo o acesso a medicamentos essenciais por parte das populações.

Um dos casos mais emblemáticos apontados pela Equalmed é o da metformina, um medicamento amplamente utilizado no tratamento da diabetes tipo 2 e que figura entre os mais prescritos em Portugal e na União Europeia.

“Estamos a falar, por exemplo, de uma molécula que é bastante conhecida, que é a Metformina, que é uma substância para o tratamento da diabetes. É a substância mais utilizada ainda hoje em dia e pode ter um aumento de custo de 8 vezes”, referiu João Paulo Nascimento.

Se tal cenário se concretizar, o impacto para os sistemas nacionais de saúde, para as farmácias e, sobretudo, para os utentes, será profundo e potencialmente disruptivo.

De acordo com as estimativas de Bruxelas, cerca de 92% da carga tóxica nas águas residuais provém da indústria farmacêutica e dermocosmética. No entanto, estas conclusões são fortemente contestadas pelos representantes do setor, que alegam falta de proporcionalidade e foco exclusivo em apenas dois segmentos da sociedade e da economia.

“Nós concordamos com o objetivo desta diretiva. Não concordamos é com o facto de esta diretiva apontar única e exclusivamente a responsabilidade do tratamento das águas residuais urbanas, fundamentalmente provenientes das nossas casas de banho e das nossas cozinhas, à indústria farmacêutica e à indústria de cosmética”, declarou Nascimento.

O dirigente sublinha que existem outros poluentes com relevância equivalente ou superior, provenientes de diversas fontes domésticas, agrícolas e industriais: “Os micropoluentes que se encontram nas águas residuais urbanas não são apenas da indústria farmacêutica e da indústria de dermocosmética. Temos componentes domésticos, temos pesticidas, temos microplásticos.”

Neste contexto, a Equalmed critica o que considera ser uma violação dos princípios da proporcionalidade, da não discriminação e da própria lógica do poluidor-pagador, que, de acordo com o direito europeu, deveria assegurar uma repartição justa dos encargos ambientais.

Face à gravidade do impacto previsto e à alegada injustiça da medida, várias empresas farmacêuticas já recorreram ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), numa tentativa de travar ou modificar os efeitos da diretiva. Um dos Estados-membros, a Polónia, juntou-se formalmente ao grupo de contestatários, assumindo publicamente a sua oposição ao modelo adotado por Bruxelas.

“Há uma série de empresas que avançaram com ações legais no Tribunal de Justiça da União Europeia. Temos já um Estado-Membro, também, a Polónia, que o fez”, revelou João Paulo Nascimento à Renascença.

A Equalmed espera agora que a Comissão Europeia reveja os termos da diretiva antes da sua transposição obrigatória, prevista até 2028. “O que esperamos neste momento é que, efetivamente, a Comissão Europeia olhe para esta situação e que, não pondo em causa o objetivo da diretiva – com o qual estamos absolutamente de acordo –, a reavalie do ponto de vista daquilo que é o princípio do poluidor-pagador, da proporcionalidade e da não discriminação”, afirmou o representante da associação.

Nascimento reforça que o objetivo de redução de poluentes nas águas residuais é legítimo e necessário, mas não pode ser construído à custa de um setor essencial como o dos medicamentos genéricos, especialmente quando existem responsabilidades partilhadas por vários sectores e fontes poluidoras.