
Fim de semana (novamente) complicado no SNS: Quatro urgências encerradas hoje e cinco amanhã
Este sábado, quatro blocos de partos estarão encerrados em hospitais públicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), voltando a expor a fragilidade do sistema de urgências obstétricas, sobretudo na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Os hospitais afetados são o Barreiro, Setúbal, Vila Franca de Xira e Leiria. Amanhã, a situação agrava-se, com o encerramento de mais uma unidade: a urgência de obstetrícia do Hospital Distrital das Caldas da Rainha.
Apesar de o Governo ter prometido que, desde o início deste mês, os hospitais só poderiam fechar as urgências com autorização da Direção-Executiva do SNS (DE-SNS), não foi possível apurar se os encerramentos deste fim de semana tiveram ou não esse aval. Contactada pelo Expresso, a DE-SNS não respondeu às perguntas sobre os motivos para os fechos nem confirmou se foram autorizados.
Os fechos ocorrem numa altura em que está em análise uma nova proposta para a rede de referenciação hospitalar na área da ginecologia e obstetrícia, que visa precisamente evitar encerramentos descoordenados e melhorar a resposta em zonas críticas. O documento, redigido por cerca de 20 peritos, já foi entregue ao diretor-executivo do SNS, Álvaro Almeida, e entrará em consulta pública nos próximos dias. Segundo a DE-SNS, a rede aprovada será depois implementada pela própria Direção-Executiva.
Entre as principais orientações do documento, destaca-se a proposta de que, sempre que não haja condições para manter blocos de partos abertos, os hospitais menos diferenciados deverão encaminhar as grávidas para unidades mais capacitadas da região. No caso da Margem Sul do Tejo, o Hospital do Barreiro e o de Setúbal (ambos classificados como de nível I) devem encaminhar os seus casos para o Hospital Garcia de Orta, em Almada (nível II). Já este último só deverá referenciar casos para a Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, de forma excecional, por se tratar de uma unidade de nível III, a mais diferenciada da rede.
A mesma lógica aplica-se aos hospitais de Vila Franca de Xira (nível I) e de Loures (nível II), em Lisboa, que deverão colaborar entre si, com concentração de meios no hospital mais bem apetrechado.
Especialistas pedem concentração de profissionais e responsabilização
Alberto Caldas Afonso, presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente — entidade responsável pela elaboração da proposta —, alerta que a nova rede, por si só, não resolverá os problemas imediatos. “Mesmo que a decisão fosse tomada hoje, não resolveria o problema de agosto”, afirmou ao Expresso, apontando que a única solução viável a curto prazo passa pela colaboração operacional entre os hospitais do Barreiro e Garcia de Orta. “Juntos, os dois têm recursos humanos suficientes para manter uma urgência aberta: o Garcia de Orta tem 23 especialistas e 13 internos, e o Barreiro conta com 12 especialistas e 8 internos”, acrescentou.
No entanto, o responsável denuncia também falhas na coordenação entre administrações hospitalares. “Das mais de 20 vezes que reunimos, pareceu-nos haver falta de unidade. Tem de haver responsabilização por isso”, frisou, apelando à criação de urgências metropolitanas fixas com concentração de meios humanos.
Já o obstetra Diogo Ayres de Campos, outro dos responsáveis pelo documento, defende que a reorganização agora proposta é mais pragmática do que as anteriores. “Depois de muitas conversas, faria sentido ter pontos de urgência no Barreiro, no Garcia de Orta, no de Vila Franca de Xira e no de Loures, mas não há equipas para manter todas, portanto é preciso juntá-las: Barreiro ao Garcia de Orta e Vila Franca a Loures”, explicou.
Para o médico, a aprovação formal da nova rede é fundamental para dar estabilidade às equipas e evitar decisões avulsas nos hospitais. “Existe a expectativa de que o Governo, qualquer que seja, tenha o bom senso de avançar”, afirmou.
Novo modelo divide o país em três níveis de diferenciação hospitalar
O modelo em discussão organiza as Unidades Locais de Saúde (ULS) em três níveis, consoante o grau de diferenciação em ginecologia e obstetrícia:
Nível III (o mais elevado): reservado a hospitais universitários e centros altamente diferenciados, como as ULS de Braga, São João, Santo António (Porto), Coimbra, Santa Maria e São José (Lisboa), sendo esta última associada à Maternidade Alfredo da Costa.
Nível II: composto por 17 centros com alguma diferenciação, que devem absorver casos dos hospitais de nível I.
Nível I: inclui 17 unidades com menor diferenciação, que poderão não contar com urgência nem internamento na área da obstetrícia.
Com a nova proposta ainda em fase de análise, e a continuar o padrão de encerramentos nos fins de semana — mesmo após a passagem dos feriados prolongados —, a reorganização do sistema surge como urgente. No entanto, sem garantias de que as medidas terão efeitos imediatos, muitas grávidas continuam a enfrentar incertezas graves quanto à assistência hospitalar nos momentos mais críticos da gravidez.