
Falta de matérias-primas e mão de obra: rearmamento da Europa ‘colide’ com uma realidade que ninguém previu
A União Europeia tem um plano para se rearmar e tentar garantir a sua segurança contra inimigos externos. Há já verbas – 800 mil milhões de euros -, alguma coordenação e um acordo entre os países do bloco europeu. No entanto, há um problema que pouco ou nada terá sido abordado, lembrou a publicação ‘El Economista’: os materiais, mas sobretudo os recursos humanos.
O problema relacionado com o material está a tornar-se visível com a escassez de pólvora e de certos metais essenciais para a indústria bélica. Já os recursos humanos podem, mais cedo ou mais tarde, o problema mais premente: a Europa é um continente envelhecido, com escassez de mão de obra e uma população relutante em deixar os seus empregos para se juntar ao exército… nem mesmo os desempregados.
Segundo a ‘Bloomberg’, depois de esvaziar os arsenais no apoio à Ucrânia, a Europa enfrenta uma escassez crítica de explosivos (TNT e nitrocelulose), a base dos propulsores modernos. Ou seja, a UE prepara-se para ‘disparar’, mas sem pólvora suficiente. Além disso, o fornecimento global de matérias-primas essenciais para a Defesa é dominado com mão de ferro pela China: desde o algodão (componente essencial na produção de pólvora, de onde é extraída a nitrocelulose) a metais como o antimónio, usado no fabrico de balas. Josep Borrell, ex-Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, deixou esse problema claro: “Não podemos produzir mais munição na Europa porque não produzimos pólvora. E não produzimos pólvora porque a matéria-prima básica para a pólvora é o algodão, e nós não produzimos algodão.”
No caso do antimónio, usado em núcleos de balas e explosivos, o preço está quase quatro vezes mais alto do que há um ano, depois de Pequim ter restringido as exportações de matérias-primas essenciais, o que desencadeou uma corrida pelo abastecimento nos setores de alta tecnologia e defesa. O mundo precisa de cerca de 120 mil toneladas por ano e produz apenas 80 mil toneladas, num mercado dominado pela Rússia e Pequim.
Somam-se problemas logísticos e regulatórios: há apenas um grande fábrica de TNT em todo o Velho Continente, na Polónia, sendo que os procedimentos para autorizar novos depósitos ou transportar material explosivo podem demorar anos. A Europa, com as suas capacidades limitadas e dependência de fornecedores estrangeiros, agora enfrenta uma corrida contra o tempo para reconstruir uma indústria militar que considerou obsoleta por décadas. Mas isso não é o mais sério.
É quase impossível recrutar soldados
Além dos materiais, a Europa enfrenta uma situação mais complexa nos recursos humanos: não há mão de obra suficiente e os jovens estão desconectados com o setor da defesa. Várias sondagens mediram as atitudes dos europeus em relação a um possível ataque estrangeiro e revelaram que praticamente ninguém estaria disposto a lutar para manter a soberania do seu país. Isso complica muito os esforços da UE para buscar um futuro independente dos EUA.
Uma sondagem do ‘Pew Research’, de 2022, revelou um descontentamento preocupante: apenas 32% dos britânicos e 33% dos espanhóis estariam dispostos a lutar pelo seu país. Na Finlândia, no entanto, 74% da população diz estar disposta a defender o seu território. Na maioria dos países europeus, pelo menos 50% da população declarou que não lutaria pelo seu país numa guerra. Essa falta de prontidão para o combate é agravada pelo pequeno tamanho dos exércitos europeus em comparação com a Rússia.
A Europa pode precisar de 300 mil soldados adicionais, cerca de 1.400 tanques, 2.000 veículos de combate de infantaria, 700 peças de artilharia e pelo menos 250 mil milhões de euros em gastos militares adicionais anualmente para deter de forma independente a agressão russa. Essa foi a estimativa do prestigiado think tank ‘Bruegel’. “O exército russo agora é maior, mais experiente e mais bem equipado do que em 2022”, alertou a Bruegel. Apesar das perdas sofridas na Ucrânia, Moscovo reorientou a sua indústria e mobilizou a sua população. Somente em 2024, a Rússia produziu ou reformou 1.550 tanques, 5.700 veículos blindados e 450 peças de artilharia. Além disso, foram implantados 1.800 drones kamikazes Lancet de longo alcance, um aumento de 435% face a 2022. Embora grande parte desse arsenal venha de equipamentos soviéticos modernizados, o Kremlin continua a expandir sua força militar com os seus próprios recursos, especialmente no campo dos drones.