Falhas nas declarações ao Fisco deixam mais de 46 mil famílias sem apoio à renda

Mais de 46 mil famílias que cumprem os critérios para receber o apoio extraordinário à renda encontram-se impedidas de aceder a este subsídio devido a falhas nas declarações fiscais dos seus senhorios, inconsistências nos contratos de arrendamento ou mesmo por dúvidas relativamente às suas próprias declarações de rendimentos. Os dados foram avançados ao jornal PÚBLICO pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que aponta várias razões para esta situação.

O apoio extraordinário à renda, que pode atingir um máximo de 200 euros por mês, foi implementado em 2023 com o objetivo de auxiliar os inquilinos com rendimentos até ao sexto escalão de IRS e cuja taxa de esforço com a renda seja igual ou superior a 35%. No entanto, desde a sua criação, o número de beneficiários tem vindo a diminuir de forma acentuada. No final de 2023, o apoio abrangia mais de 258 mil famílias, mas esse número caiu para cerca de 205 mil no final do mesmo ano. Já em janeiro de 2024, de acordo com o IHRU, restavam apenas 145.870 beneficiários, uma quebra de quase 30% face ao mês anterior.

Paralelamente, também o montante médio recebido tem sofrido uma redução: se, no final de 2023, era de 120,80 euros, atualmente situa-se nos 100,46 euros. Apesar disso, há ainda 25.141 famílias que recebem o valor máximo do subsídio, um número significativamente inferior ao registado no final do ano passado, quando esse valor era atribuido a cerca de 59 mil famílias.

A principal razão para esta quebra no número de beneficiários tem sido a cessação de contratos de arrendamento por iniciativa dos senhorios. Nesses casos, os inquilinos perdem o direito ao apoio por passarem a ter contratos celebrados após 15 de março de 2023, apesar de a legislação prever a manutenção do subsídio para quem tenha de assinar um novo contrato mas continue a residir no mesmo imóvel e com o mesmo senhorio. Contudo, não há ainda dados que permitam avaliar os efeitos práticos desta alteração na lei.

Além disso, existem outros fatores que impedem a atribuição do apoio a quem cumpre os critérios. O subsídio é concedido automaticamente com base nos dados fornecidos pela Autoridade Tributária (AT), Segurança Social, Caixa Geral de Aposentações e Fundação para a Ciência e Tecnologia. No entanto, erros ou inconsistências nos registos fiscais, nomeadamente na declaração das rendas e nos contratos de arrendamento, podem bloquear a atribuição do apoio.

De acordo com o IHRU, existem atualmente 46.364 processos pendentes devido a situações como “incongruências entre as declarações fiscais dos rendimentos prediais dos senhorios, as declarações fiscais relativas ao recebimento ou faturação de rendas, as participações dos contratos de arrendamento e as declarações fiscais dos locatários; ou o montante da renda ser superior aos rendimentos dos beneficiários”. O jornal PÚBLICO questionou o IHRU sobre a distribuição destes casos, mas não obteve resposta.

Até agora, os inquilinos afetados por estas situações não dispunham de qualquer plataforma para proceder à validação prévia dos dados, conforme exigido por lei. No entanto, a partir desta quinta-feira, o IHRU disponibilizou uma ferramenta na área de cidadãos do Portal da Habitação para permitir essa verificação.

Outro obstáculo que os inquilinos enfrentam é o atraso na regulamentação da norma que lhes permitiria legalizar os contratos de arrendamento junto da AT quando os senhorios não o fazem. Esta medida foi incluída no pacote legislativo Mais Habitação, aprovado pelo governo de António Costa, mas depende da publicação de uma portaria que ainda não foi emitida. Desde a entrada em vigor da lei, em outubro de 2023, a falta desta regulamentação tem impedido muitos inquilinos de aceder ao apoio.