
Ex-Chega Miguel Arruda fica em três comissões parlamentares no dia em que perde imunidade por furto de malas
O deputado não inscrito Miguel Arruda vai integrar três comissões parlamentares, decisão validada esta quarta-feira pela Conferência de Líderes, no mesmo dia em que o Parlamento deverá aprovar o levantamento da sua imunidade parlamentar. A perda da proteção legislativa surge no âmbito da investigação em que é suspeito de furtar malas nos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada.
O pedido de levantamento da imunidade de Miguel Arruda foi enviado ao Parlamento por uma juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal, que remeteu “elementos identificativos bastantes” sobre os factos que levaram à abertura do processo. Arruda, no entanto, optou por não se pronunciar sobre o pedido.
O relatório da Comissão para a Transparência e Estatuto dos Deputados, citado pela SIC, recomenda o levantamento da imunidade, sublinhando que os crimes imputados ao deputado não têm qualquer relação com o exercício das suas funções parlamentares.
“Dos elementos transmitidos pelo Tribunal conclui-se que os factos descritos, embora temporalmente coincidentes com o exercício do mandato de deputado, em nada relevam, nem se relacionam, com a função parlamentar do Senhor Deputado Miguel Arruda”, lê-se no parecer elaborado pelo deputado social-democrata Hugo Carneiro.
O documento destaca ainda que a moldura penal dos crimes em questão obriga ao levantamento da imunidade. “Nos elementos aportados pelo Tribunal é expressamente referida a existência de fortes indícios da prática pelo Senhor Deputado Miguel Arruda de factos suscetíveis de, em abstrato, configurarem a prática de oito crimes de furto qualificado, a que correspondem penas de prisão cujo limite máximo é superior a três anos, requisito constitucional e legal para o levantamento obrigatório da imunidade parlamentar pela Assembleia da República”, lê-se no relatório.
O parecer sublinha que a pena máxima prevista para os crimes em causa pode ir até cinco anos de prisão. “Nos autos em referência está em causa a prática dos crimes de furto qualificado, aos quais correspondem penas até cinco anos de prisão, pelo que estamos perante uma moldura penal suscetível de reconduzir a presente situação ao caso em que se torna obrigatório que a Assembleia da República proceda à emissão de decisão de autorização de levantamento da imunidade.”
Ou seja, a Assembleia da República não tem qualquer margem de manobra para evitar o levantamento da imunidade. O procedimento legislativo exige apenas a emissão do parecer da comissão e a votação em plenário.
O documento sublinha ainda que a decisão do Parlamento não representa qualquer juízo sobre a culpa ou inocência do deputado: “Importa deixar claro que não compete à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados pronunciar-se sobre a factualidade concreta ou quanto ao mérito da causa, mas tão-só avaliar se se encontram reunidos os pressupostos formais e materiais para o levantamento, ou não, da imunidade parlamentar.”
Buscas revelaram malas furtadas e objetos de valor
O caso que envolve Miguel Arruda teve novos desenvolvimentos quando, a 21 de janeiro, a Polícia Judiciária realizou buscas às suas residências em Lisboa e em Ponta Delgada. Seis dias depois, a 27 de janeiro, as autoridades efetuaram uma nova busca, desta vez no gabinete parlamentar do deputado.
No decurso das investigações, as autoridades apreenderam cerca de 200 malas de viagem e um saco desportivo, bem como o conteúdo das bagagens, que incluía vestuário, calçado, relógios e joias.
Miguel Arruda não pôde ser interrogado durante as buscas devido à proteção conferida pela sua imunidade parlamentar, agora prestes a ser levantada.
Face à gravidade das acusações, Miguel Arruda reuniu-se com o líder do Chega, André Ventura, que lhe terá colocado duas opções: “a suspensão do mandato ou a renúncia”. Durante o encontro, o deputado açoriano manifestou a intenção de se tornar independente, decisão que formalizou logo após o caso se tornar público.
A sua primeira sessão no Parlamento como deputado não inscrito ficou marcada por momentos de tensão. Sentado entre os deputados do Chega e do PSD na última fila do hemiciclo, Arruda foi alvo de comentários irónicos da bancada do Livre. O líder parlamentar do Chega reagiu com veemência, prometendo ações de protesto contra o antigo colega de partido.
No auge da polémica, o deputado recorreu a uma baixa médica por razões psicológicas, alegando ter “rebentado psicologicamente” e afirmando que a sua família estava “um caco”. Durante esse período, viajou para os Açores, regressando ao Parlamento dez dias depois.
Outro fator que gerou controvérsia em torno de Miguel Arruda foi a sua ligação pública a Mário Machado, líder neonazi recentemente condenado a quase três anos de prisão por incentivar à violência, ao ódio e à prostituição forçada de mulheres de esquerda.
O deputado manifestava regularmente apoio a Machado na rede social X (antigo Twitter), onde tinha diversas publicações em defesa do líder da extrema-direita portuguesa. A sua conta na plataforma foi entretanto desativada.
A votação do levantamento da imunidade parlamentar de Miguel Arruda será realizada esta quarta-feira no plenário da Assembleia da República. Perante a natureza dos crimes de que é suspeito e a moldura penal aplicável, os deputados deverão aprovar o pedido sem oposição, uma vez que a Constituição e a lei obrigam a essa decisão.
Com esta deliberação, Arruda poderá ser formalmente constituído arguido e interrogado pelas autoridades judiciais, dando continuidade à investigação que promete continuar a marcar a atualidade política portuguesa.