Europa está sob ataque da Rússia: por que motivo não contra-ataca?

Não se tivesse registado um atraso num voo de ligação, a bomba incendiária num avião da DHL teria explodido em algum ponto da União Europeia – em vez disso, pegou fogo no aeroporto de Leipzig, na Alemanha. Segundo os serviços de inteligência ocidentais, o ataque de julho último foi um teste de agentes russos que planeavam colocar bombas semelhantes em voos para os Estados Unidos.

“Temos observado ações agressivas dos serviços de inteligência russos já há algum tempo”, denunciou Thomas Haldenwang, ex-presidente da agência federal de inteligência doméstica da Alemanha, citado pelo jornal ‘POLITICO’. “A Rússia está a usar toda a caixa de ferramentas, desde influenciar discussões políticas até ataques cibernéticos em infraestrutura crítica e sabotagem em escala significativa.”

De acordo com o responsável, o Kremlin tem desde há muito realizado a chamada guerra híbrida contra a União Europeia, incluindo campanhas de desinformação, ataques cibernéticos e interferência eleitoral para desestabilizar as sociedades europeias e como tal diminuir o apoio militar à Ucrânia.

Foi o caso da Alemanha, que há uma semana denunciou que dois cabos de telecomunicações submarinos no Mar Báltico foram sabotados. “Temos de concluir, sem saber exatamente quem fez isso, que é uma ação híbrida e também temos de assumir — sem saber — que é sabotagem”, apontou o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius. Dias antes, um navio espião russo, o ‘Yantar’, foi escoltado para fora do Mar da Irlanda pela Marinha irlandesa após entrar em águas controladas pela Irlanda e patrulhar uma área que continha oleodutos e cabos essenciais de energia e internet.

As ações da Rússia também se transformaram em violência total: embora os tanques russos não tenham entrado na Polónia ou Estónia, a agressão de Moscovo é cada vez mais difícil de ignorar: um segundo pacote-bomba, semelhante ao de Leipzig, explodiu num armazém na cidade britânica de Birmingham em julho último, sendo que a polícia antiterrorista alemã investiga ligações com outros casos na Europa.

Segundo as autoridades ocidentais, Moscovo poderá ser responsável por ataques incendiários na Polónia, Reino Unido, Rep. Checa, Alemanha, Lituânia e Letónia: já as autoridades alemãs e americanas frustraram um plano russo para assassinar Armin Papperger, CEO da Rehinmetall, fabricante alemã de armamento e uma grande fornecedora de projéteis de artilharia para Kiev.

Embora alguns Governos — especialmente nos países nórdicos e bálticos — tenham tentado dar o alarme, a resposta coletiva da UE e da NATO tem sido notavelmente moderada até agora. “Somos simplesmente educados demais”, disse a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen, durante a cimeira de julho da NATO. “Eles estão a atacar-nos todos os dias agora.”

A que se deve esta passividade europeias? Em parte, devido ao receio nas capitais de serem arrastadas para um conflito para o qual não estão preparadas, apontou Daniel Byman, especialista em terrorismo e guerra não convencional do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. “A maioria dos países não quer confrontar abertamente a Rússia mais do que já estão”, explicou. “Estão preocupados com a escalada, um ciclo de vai e vem que tornará as coisas piores.”

Até mesmo as palavras usadas para falar sobre os ataques refletem a timidez da Europa, disse Gabrielius Landsbergis, ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia. “Por que é que chamamos isso de híbrido? Porque basicamente quando se chama isso de híbrido não se precisa de fazer nada sobre isso. Mas se se chamar de terrorismo, então implica reação.”

Os limites da NATO

A marca de guerra híbrida do Kremlin foi desenvolvida pelo general russo Valery Gerasimov, agora chefe do Estado-Maior das forças armadas russas, referiu o especialista em segurança austríaco Gerhard Mangott. “Isso nunca significa apenas desinformação e propaganda, mas um amplo arsenal de instrumentos, desde sabotagem até infiltração e financiamento de partidos no Ocidente, até a violação do espaço aéreo de estados da NATO por caças russos”, referiu.

Na Lituânia, por exemplo, Moscovo tem usado a desinformação para minar os planos do envio de uma brigada das forças armadas alemãs, parte de um esforço da NATO para reforçar o seu flanco oriental. “Estão a ser espalhadas muitas notícias falsas, como por exemplo que os soldados alemães violam mulheres e querem ocupar a Lituânia”, referiu Darius Jauniskis, chefe dos serviços secretos lituanos. “A Rússia quer sabotar o projeto. Levamos isso muito a sério.”

No entanto, mesmo nos seus momentos mais perigosos, a campanha de desestabilização da Rússia parece cuidadosamente calibrada para não desencadear uma resposta coletiva da NATO ao abrigo do Artigo 5. Em vez disso, o Kremlin parece estar a aumentar lentamente a pressão para ver o que pode fazer. “A Rússia está a testar os limites do Artigo 5 para agitar a incerteza”, referiu Roderich Kiesewetter, ex-oficial do Estado-Maior do exército alemão.

Mas, por enquanto, há pouca disposição na aliança para o confronto. “A NATO é uma aliança militar defensiva que pensa em termos de tempo de paz e tempo de guerra”, apontou o general Thierry Burkhard, chefe do Estado-Maior de defesa de França, citado pelo jornal francês ‘Le Figaro’, no início deste mês. “As ferramentas da NATO simplesmente não são projetadas para a zona cinzenta no ‘mundo da competição e da contestação’.”

Outro obstáculo é a adesão à NATO de países como Hungria e Turquia, “países que demonstraram simpatia pela Rússia”, frisou Byman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, tornando mais difícil para a aliança militar baseada em consenso tomar decisões significativas contra Moscovo.

Embora evitem o confronto direto, os países da UE e da NATO estão gradualmente a intensificar os esforços para conter a guerra híbrida da Rússia. Em 2021, em resposta a uma tentativa russa de minar a eleição presidencial francesa de 2017, Paris criou uma agência governamental chamada Viginum para combater a interferência digital estrangeira. Desde então, o Governo francês acusou a Rússia de estar por trás de uma campanha online para criar pânico sobre a proliferação de percevejos em Paris e de vincular o surto à chegada de refugiados ucranianos.

Até agora, porém, a UE e a NATO tiveram pouco sucesso em dissuadir a Rússia: as sanções diretamente ligadas à guerra na Ucrânia tiveram um impacto limitado até agora, então não está claro se o novo regime será eficaz. “Os europeus precisam de responder de uma forma muito mais unida e enérgica”, sustentou Byman. “A ajuda militar à Ucrânia deve ser intensificada para mostrar que os esforços russos estão a ter o efeito inverso.”

Além de aumentar os gastos com defesa, os países precisam de aumentar a segurança interna, incluindo a polícia, os serviços de inteligência nacionais e a partilha de informações entre Governos aliados. “Temos de lembrar que eles estão basicamente a imitar a doutrina de sabotagem da Guerra Fria da União Soviética.”