Estrangeiros nos aeroportos portugueses passam a ter acesso a advogado antes de terem entrada recusada. Recomendação da IGAI aplicada pela PSP
A partir de agora, cidadãos estrangeiros que sejam barrados nos aeroportos portugueses terão acesso a assistência jurídica antes de lhes ser recusada a entrada, conforme recomendação da Inspeção-geral da Administração Interna (IGAI). A PSP anunciou que irá aplicar esta medida “muito brevemente”, uma mudança que chega cinco meses após a recomendação emitida pela IGAI em março deste ano.
Até ao momento, os estrangeiros só podiam aceder a um advogado após a sua entrada ser oficialmente recusada. No entanto, a IGAI, na sequência de críticas de organizações de direitos humanos e advogados, defendeu que o direito a assistência jurídica deveria ser garantido logo na fase inicial do processo administrativo, quando os estrangeiros são interrogados pelas autoridades no aeroporto.
Nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, os estrangeiros que são encaminhados para a chamada “segunda linha de controlo” enfrentam um processo de instrução, onde as suas declarações são registadas e assinadas, enquanto aguardam a decisão sobre a sua entrada. Porém, advogados e cidadãos estrangeiros têm relatado dificuldades no acesso a um advogado durante este período crucial, o que, segundo eles, compromete a sua capacidade de defender os seus direitos antes de ser consumada a recusa de entrada, como noticia o Público.
A IGAI sublinhou, em março, que muitos cidadãos têm ficado em situações de indefinição durante períodos prolongados, sem a devida assistência jurídica. A falta de um advogado a acompanhar desde o início do processo administrativo pode deixar os estrangeiros “impossibilitados de entrar em território nacional e impedidos de serem assistidos juridicamente”, alertou a entidade.
A Ordem dos Advogados, que há muito defendia esta mudança, congratulou-se ao mesmo jornal com a decisão da PSP. Desde março de 2021, existe um protocolo que permite a assistência jurídica aos estrangeiros após a recusa de entrada, mas a falta de advogados presentes nas fases iniciais do processo tem sido uma lacuna. A vogal do conselho geral da Ordem dos Advogados, Filipa Santos Costa, afirmou: “Estamos disponíveis nas escalas, mas é preciso garantir que as pessoas serão ouvidas nos períodos em que há advogados de escala, das 8h às 18h.”
A bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, também destacou a importância desta medida após uma visita ao aeroporto de Lisboa em janeiro, onde verificou as condições de detenção temporária dos cidadãos estrangeiros.
Os cidadãos cuja entrada é recusada nos aeroportos portugueses são alojados nos Centros de Instalação Temporária (EECIT), onde podem permanecer por um máximo de 60 dias, até que seja tomada uma decisão judicial. No entanto, a capacidade destes centros, particularmente o de Lisboa, tem sido frequentemente ultrapassada, obrigando as autoridades a alojar estrangeiros na zona internacional dos aeroportos. A PSP assegura que essa prática é utilizada “em último recurso” e que os cidadãos são transferidos para os centros de Porto ou Faro quando o de Lisboa está cheio.
No entanto, um relatório divulgado pela IGAI em junho revelou várias irregularidades no EECIT de Lisboa, incluindo falhas no sistema de videovigilância, que levantaram preocupações quanto à sua utilidade e conformidade com a lei. A PSP afirmou que está “a desenvolver os procedimentos contratuais necessários para a regularização dos sistemas de CCTV” tanto em Lisboa como no Porto, após um diagnóstico exaustivo.
Outro problema identificado foi a permanência prolongada de cidadãos na zona internacional dos aeroportos. A IGAI encontrou um cidadão que dormiu durante 14 dias na zona internacional, enquanto aguardava resolução para a sua situação. Embora a PSP tenha referido que tais situações são “pontuais”, reconheceu que em alguns casos os cidadãos permanecem mais de 48 horas na zona internacional devido à falta de espaço nos EECIT ou porque têm voos de regresso agendados.
A PSP garantiu que está empenhada em assegurar que, sempre que possível, os cidadãos retidos por mais de 48 horas sejam transferidos para os centros de instalação temporária, onde dispõem de “condições dignas de privacidade, higiene e alimentação”. Além disso, todas as retenções superiores a 48 horas são comunicadas ao tribunal competente, conforme previsto na lei.
A IGAI recomendou também que se encontrem soluções para evitar que os cidadãos permaneçam por longos períodos nas instalações temporárias, muitas vezes em condições inadequadas, como a ausência de camas, duches, mesas de refeição ou acesso ao ar livre. Em resposta, a PSP sublinhou que “respeita escrupulosamente os prazos legais” e que, em casos excecionais, são concedidos vistos especiais por razões humanitárias ou de saúde, antes da decisão final.