Burocracia “continua a ser uma das maiores barreiras” às energias renováveis em Portugal, diz Presidente da APREN

O Presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) explicou à ‘Executive Digest’ que, nos últimos anos, a potência das centrais de produção de energia a partir de fontes renováveis tem aumentado significativamente em Portugal.

Entre 2005 e 2021, essa capacidade instalada registou uma subida de 59%, “o que demonstra o investimento que tem sido feito no desenvolvimento sustentável do setor energético e que deverá continuar presente, contribuindo para o alcance das metas de descarbonização para Portugal até 2050”, aponta Pedro Amaral Jorge. Especificamente no que toca à produção de energia através do fotovoltaico, a potência instalada aumentou 73% em 2021, face ao ano anterior.

O presidente da APREN aponta que, com o crescimento das energias renováveis, é possível observar uma diminuição do peso das fontes dependentes de combustíveis fósseis na produção total de energia em Portugal. Aponta a APREN que “com o fecho das centrais a carvão, Portugal conta, agora, com uma potência inferior (6.104 MW) à verificada no ano 2000 (6.448 MW)”, no que toca à produção com base em combustíveis fósseis. Em 2021, 62,9% da eletricidade consumida em Portugal já proveio de fontes renováveis.

Dados da Agência Europeia de Energia apontam que Portugal ocupou, em 2020, o quinto lugar na lista dos países da UE com maiores consumos de energia de fontes renováveis.

O estudo “Impacto da Eletricidade de Origem Renovável”, da Deloitte, mostra que, entre 2011 e 2020, foi feito um investimento privado total de 7.460 milhões de euros na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, sendo que 77% desse montante foi aplicado em tecnologias dos setores hídrico e eólico. O mesmo documento prevê que no período compreendido entre 2021 e 2030 sejam investidos, pelo menos, 20 mil milhões de euros em renováveis, um valor quase três vezes superior ao dos últimos 10 anos. Cerca de 52% desse montante deverá ser canalizado para o segmento eólico e 41% para o solar. Com a nova estratégia REPowerEU, lançada na semana passada pela Comissão Europeia, esse investimento até 2030 poderá passar acima dos 30 mil milhões de euros.

Entre 2016 e 2020, as energias renováveis contribuíram perto de 18,5 mil milhões de euros para a economia portuguesa, cerca de 3,7 mil milhões por ano. As previsões apontam que até 2030 o peso das renováveis no PIB nacional passe a ser de 12,8 mil milhões ao ano.

A importância das renováveis não se prende somente com questões ambientais, que só por si justificariam um reforço robusto dos investimentos na produção de “energia limpa”. Avança a APREN que, em 2021, foram registadas poupanças médias de até 300 euros e de até 30 mil euros nas faturas da eletricidade dos consumidores domésticos e dos consumidores não domésticos, respetivamente.

Um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da renováveis em Portugal é a complexidade dos processos de licenciamento

Pedro Amaral Jorge afirma que os promotores são os principais agentes no mercado, considerando que são eles que asseguram o investimento privado no desenvolvimento e concretização de projetos de energias renováveis. Além disso, são também os promotores que garantem o funcionamento das centrais de produção de eletricidade.

Por outro lado, os fabricantes das tecnologias indispensáveis à produção de energia de fontes renováveis acabam também por ser uma peça importante no mercado, pois os custos das matérias-primas ditam o nível de investimento que deverá, ou poderá, ser feito num dado projeto.

Um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do setor em Portugal prende-se com o licenciamento dos projetos. O Presidente da APREN explica que o processo de licenciamento “continua, hoje em dia, a ser uma das maiores barreiras ao desenvolvimento do setor, sendo muito moroso e complexo, exigindo ao promotor o contacto com múltiplas entidades, tendo estas abordagens e tempos de resposta distintos”. E todas essas dificuldades podem colocar em risco a concretização das metas de Portugal no que toca à redução das emissões de gases com efeito de estufa e à descarbonização da economia, objetivos plasmados também no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) e na Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2).

Outro fator que pode constranger o crescimento das renováveis em Portugal é o aumento substancial dos preços de algumas matérias-primas essenciais, como o silício no caso do fotovoltaico, devido ao aumento da procura face a uma oferta reduzida, em parte por causa dos confinamentos na China, que suspenderam a produção em várias fábricas no país.

Pedro Amaral Jorge salienta que a viabilidade dos projetos em termos económicos e financeiros poderá ser posta em causa, ou até mesmo anulada, devido à demora dos processos de licenciamento, que faz com que os preços apresentados na proposta, depois de toda a burocracia, acabem por ficar desfasados da realidade dos mercados na altura da concretização dos projetos.

“No entanto, nem tudo são aspetos negativos”, garante, apontando que, em 2019, o Governo português implementou um sistema de leilões que permite que os vencedores possam injetar eletricidade na rede pública. Nesse ano, foram atribuídos 24 lotes com uma potência total combinada de 1.400 megawatts. No ano seguinte, foram atribuídos outros 12 lotes, com 700 megawatts de energia solar.

Portugal “possui as condições necessárias para se tornar energeticamente independente do exterior da União Europeia”

O Presidente da APREN destaca o papel da associação na revisão da legislação do setor energético em Portugal, que ainda este ano viu transpostas, ainda que parcialmente, as diretivas europeias sobre o mercado das renováveis, através do Decreto-Lei 15/2022, sobre o Sistema Elétrico Nacional.

Tendo em conta as metas estabelecidas nos planos PNEC 2030 e EN-H2, que devem ser atualizados até a final deste ano, Pedro Amaral Jorge acredita que “Portugal caminha para se destacar ainda mais a nível europeu em matéria de energias renováveis”.

Questionado sobre se Portugal poderia vir a assumir um lugar de liderança na exportação de energia de fontes renováveis a nível europeu, responde que a EN-H2 prevê “que Portugal venha a tornar-se um dos principais produtores e exportadores europeus de hidrogénio verde”. Quanto à comercialização de eletricidade nos mercados externos, isso dependerá das dinâmicas do mercado. O fortalecimento de Portugal na área das renováveis no contexto europeu dependerá, não só, mas também, da aposta na produção descentralizada e na autoprodução para consumo individual.

O Presidente da APREN afirma que “a eletrificação dos consumos é a base da transição energética, para que a dependência de combustíveis fósseis diminua significativamente”, destacando que essa é uma transformação que deve acontecer em todos os setores, para que seja possível abandonar fontes energéticas poluentes e cortar as emissões de gases com efeito de estufa.

O responsável mostra-se otimista quanto ao progresso que Portugal tem feito na esfera da transição energética. “As renováveis já estão a contribuir para um Portugal significativamente mais verde e, considerando a antecipação para 2026 da meta de 80% de incorporação renovável na geração de eletricidade, em resposta ao REPowerEU, inicialmente estabelecida para 2030, as renováveis terão mais cedo um contributo ainda mais significativo para o País”, explica.

A neutralidade carbónica só será alcançável se se “continuar a apostar na transição energética de forma transversal, sempre numa perspetiva integrada de mercado europeu e não individualista por Estado-Membro”. Pedro Amaral Jorge acredita que dessa forma a Europa poderá escudar o seu abastecimento energético face a eventos geopolíticos adversos, como a guerra na Ucrânia, e as quebras resultantes nas cadeias mundiais.

Nesse sentido, o Presidente da APREN assegura que Portugal “possui as condições base necessárias para se tornar energeticamente independente do exterior da União Europeia”. Para ser possível alcançar esse desígnio, precisa de “maximizar a eletrificação dos consumos e aumentar a capacidade instalada para a produção de eletricidade renovável, H2 verde e combustíveis sintéticos de origem não-biológica”.

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