
Do outro lado do espelho: Arlindo Oliveira, Presidente do INESC
Arlindo Oliveira, atual presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC) e antigo presidente do Instituto Superior Técnico (IST), tinha 12 anos quando regressou de Moçambique com a família. Neste país africano, através de um amigo dos pais, ganhou o gosto pelo xadrez. Chegado a Portugal foi viver para o Montijo e inscreveu-se numa coletividade chamada Ateneu Popular do Montijo. «No Ateneu comecei a jogar mais a sério. Ia aos jogos com outros miúdos e depois fui evoluindo. O xadrez exige bastante dedicação, prática, jogos em torneios e muitas horas a estudar aberturas», explica Arlindo Oliveira, que participou em diversos campeonatos regionais, nacionais de juniores (não venceu mas costumava ficar entre os 10 primeiros). Em casa, o presidente do INESC tem algumas taças conquistadas em provas regionais.
«Também tenho muitos livros. Na altura, estudava-se muito através de uma obra chamada “enciclopédia de aberturas”, que é basicamente uma enciclopédia que ocupava duas ou três prateleiras e que tem muitas aberturas (fase inicial do jogo). O xadrez tem três níveis de abstração – o nível técnico (onde o jogador aprende as regras e determinadas posições); a tática (que são as escaramuças); as batalhas diretas e a estratégia que tem a ver com o posicionamento geral das peças. Os computadores no princípio eram apenas bons a nível técnico e tático, agora também já são bons em estratégia», afirma.
Aos 18 anos, Arlindo chegou a pensar dedicar-se ao xadrez em vez de prosseguir os estudos. «Tinha de tomar uma decisão. Ou jogava xadrez a sério, tendo de dedicar muitas horas, ou optava pelos estudos. Temos alguns bons jogadores que conciliaram o curso no IST com o xadrez, mas é bastante difícil chegar ao nível de mestre ou grande mestre. Se tivesse investido podia ter evoluído para chegar aos melhores do País. De qualquer forma, ainda joguei uns anos no Sporting, mas já não era tão competitivo. Devo ter entrado apenas em um ou dois torneios.»
Mais tarde, quando estudou nos EUA, também jogava com outros colegas. «O problema é que quando se joga xadrez razoavelmente bem, é mais difícil encontrar parceiros. Há um ranking internacional, em que se a pessoa tiver uma diferença superior a 200 pontos, o jogo deixa de ter interesse, porque a pessoa que está acima ganha quase sempre.» Arlindo jogou ainda algum tempo por correspondência. «Havia uns postais, que demorava alguns dias a chegar ao destino, dependendo do sítio, e o jogador tinha dois ou três dias para responder à jogada e mandava o postal de volta. Cada partida podia demorar um ano ou dois», lembra. Já num jogo típico, o encontro mais longo de Arlindo terá demorado cerca de seis horas.
RESILIÊNCIA
As aberturas preferidas do presidente do INESC são (do lado das pretas) a defesa siciliana variante do dragão e a defesa eslava. Do lado das brancas, a espanhola. «Um bom jogador tem de ter características como capacidade de trabalho, porque o estudo da técnica é fundamental, paciência e resiliência – quando se perde é porque se é pior do que o adversário e não se deve deixar ir abaixo», sublinha. Arlindo Oliveira, que também pratica ténis e padel, não tem dúvidas em responder sobre qual a atividade em que lhe custa mais ter uma derrota: «No xadrez, porque não é azar, nem existe o fator sorte. Simplesmente, não pensei bem.»
O presidente do INESC considera que a modalidade está sob grande pressão devido aos computadores. «Há que garantir que nas partidas entre seres humanos não há interferência nenhuma» e recorda o caso de Magnus Carlsen, cinco vezes campeão mundial. Há poucos dias, o jogador abandonou de forma abrupta um jogo frente ao adolescente Hans Niemann. A desistência chocou a modalidade, incluindo a Federação Internacional de Xadrez, e levantou suspeitas de jogo sujo de Niemann, que poderá ter beneficiado da ajuda de um computador. Face às suspeitas de batota no xadrez, o campeão Carlsen explicou-se: «Não quero defrontar pessoas que jogaram de forma menos limpa.» Neste momento, como os computadores são melhores que os campeões do mundo, quem tiver acesso a um ganha as partidas todas.
Nesta modalidade, existe ainda a versão de partidas rápidas (cinco minutos para cada lado), caracterizados por serem jogos instantâneos e visualmente interessantes de assistir. Aqui, exige-se uma capacidade de decisão em menos tempo mas, por outro lado, nota-se menos a falta de estudo e de dedicação. «O que ainda pode jogar melhor, apesar de tudo, é a combinação humano computador. Há torneios onde os humanos jogam com um computador ao lado. É o melhor dos dois mundos.»
DISCIPLINA
Sobre o futuro, e mesmo tendo em conta a supremacia dos algoritmos, Arlindo Oliveira considera que o xadrez continua a ser uma escola de pensamento e importante para a formação dos jovens. E como é que o xadrez pode ajudar um gestor a tomar decisões? «Como lhe disse, o xadrez tem os níveis estratégico, tático e técnico. Na Gestão é igual. A estratégia (a grande visão para onde deve ir uma empresa ou instituição); o táctico (não devemos deixar que decisões táticas nos desviem da nossa estratégia) e o técnico (nos mercados onde decida investir, os clientes têm de estar satisfeitos com os produtos, têm de ter boa qualidade)», diz. Em relação à parte estratégica, sa empresa tem o foco de ir para os países de língua oficial portuguesa, e aparece uma oportunidade em Espanha, um líder deverá pensar se esse facto é suficiente para alterar a estratégia. Ou seja, é importante usar a táctica para aproveitar as oportunidades de curto prazo, mas é importante que não nos desvie do foco principal.
Em 2005, um artigo de Marcus Buckingham intitulado “What Managers Do” e publicado na Harvard Business Review, afirma que os bons gestores jogam
damas e os grandes gestores jogam xadrez. Arlindo Oliveira diz que a comparação faz sentido. «As damas têm relativamente pouca estratégia e muita tática, é tudo mais simples e consegue prever-se a curto prazo. Um bom gestor nas decisões a curto prazo não é um ótimo gestor. Por exemplo, a Amazon ou a Google foram criadas numa visão de longo prazo que extravasaram o que era impossível prever», explica o presidente do INESC.
E qual o jogador que gostaria de ter encontrado para uma partida? «Ao nível que jogo não faz sentido jogar contra os melhores do mundo. Numa partida “ás cegas”, contra estes grandes mestres poderia dar um bocadinho mais de luta. Talvez tivesse curiosidade de jogar contra o Magnus Carlsen, mas a pessoa que gostaria mesmo de ter encontrado era o Bobby Fischer [um dos melhores jogadores de sempre]», conclui o presidente do INESC.