Do estábulo para a passerelle: Inovação sustentável transforma esterco de vaca em roupas ecológicas

Numa descoberta que poderá revolucionar a indústria da moda e contribuir para a redução do impacto ambiental do setor, investigadores do University College London (UCL) desenvolveram um método para transformar estrume de vaca em fibras de celulose, com potencial para serem utilizadas na produção de roupa.

A investigação, publicada na revista científica Journal of Cleaner Production, propõe uma solução ousada para dois dos grandes desafios ambientais da atualidade: a pegada ecológica da indústria têxtil e a gestão dos resíduos provenientes da agropecuária intensiva. Segundo os cientistas, este “feito de engenharia do estrume”, como foi apelidado, permite extrair e reutilizar fragmentos de celulose presentes no estrume, criando assim um novo tipo de fibra biodegradável e sem odor.

O estrume de vaca contém pequenas partículas de celulose não digeridas, resultantes da alimentação à base de plantas. Aproveitando estas partículas, os investigadores conseguiram separá-las das restantes impurezas recorrendo a reações químicas suaves e a um processo de homogeneização. “A extração dos fragmentos do estrume foi relativamente simples, usando reações químicas suaves e homogeneização, que depois transformámos numa solução líquida”, explicou o professor Mohan Edirisinghe, autor sénior do estudo, ao MailOnline.

Esta solução foi depois utilizada num processo de fabrico conhecido como ‘pressurised spinning’ (fiação por pressão), no qual jatos de líquido são disparados a partir de um tambor rotativo. Através de ajustes na pressão e na rotação, os cientistas conseguiram produzir não só fibras, como também malhas, fitas ou películas de celulose.

Contudo, nem tudo correu como previsto à primeira tentativa. “Inicialmente não conseguíamos fazer com que a solução de estrume formasse fibras ao ser fiada”, confessou Edirisinghe. Após várias tentativas, a equipa descobriu que ao inclinar o tambor e disparar os jatos diretamente para a água era possível formar fibras com sucesso. “Ainda não temos a certeza absoluta de porque é que resulta, mas o importante é que funciona”, disse o professor.

Um material promissor e inodoro
A celulose é uma fibra natural já amplamente utilizada em inúmeros produtos — desde embalagens alimentares a máscaras cirúrgicas — mas a sua produção sintética envolve frequentemente químicos tóxicos. Esta nova abordagem natural, que transforma resíduos agrícolas num recurso reutilizável, promete uma alternativa mais sustentável. “Basicamente, pode-se fazer fibras de celulose e não vejo razão para que não se possa fazer uma malha e transformá-la em roupa”, afirmou Edirisinghe. E acrescentou: “Não há qualquer cheiro que se note e não se consegue adivinhar a origem do material apenas ao olhar.”

Uma resposta ao excesso de dejetos nas explorações agrícolas
A produção global de resíduos animais deverá aumentar 40% entre 2003 e 2030, segundo estimativas citadas no estudo. Em muitas explorações, a quantidade de estrume excede largamente a capacidade de utilização como fertilizante. A decomposição desses dejetos liberta gases com efeito de estufa, contamina recursos hídricos e contribui para a proliferação de agentes patogénicos.

“Os resíduos das explorações leiteiras, como o estrume de vaca, são uma ameaça ao ambiente e à saúde humana, sobretudo pela poluição das águas, libertação de gases com efeito de estufa e disseminação de doenças”, explicou Yanqi Dai, primeira autora do estudo. “É também um fardo para os agricultores, que muitas vezes têm dificuldades em eliminá-lo corretamente”, acrescentou.

A água da chuva pode arrastar estes dejetos para sistemas hídricos locais, provocando fenómenos como a floração de algas tóxicas, que comprometem o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos e representam riscos sérios para a saúde pública.

Com esta tecnologia, os cientistas acreditam que é possível transformar um problema ambiental num recurso valioso. O dispositivo usado na investigação poderá ser facilmente escalado para produzir maiores quantidades de fibra, o que abre portas à sua aplicação industrial.

“A coisa mais importante para o ambiente é criar materiais naturais a partir de plantas ou de animais”, defendeu Edirisinghe. “Há montanhas de estrume e isso está a tornar-se um problema ambiental. Desta forma, conseguimos algo a partir do nada, por assim dizer.”

Se a promessa desta investigação se concretizar, as roupas do futuro poderão nascer do que hoje é considerado apenas lixo agrícola. E tudo sem deixar rasto — nem de carbono, nem de cheiro.