Do benefício económico à diminuição da pegada de carbono: Empresas têm “muitas vantagens inerentes à utilização da biomassa”, diz Vice-Presidente da CBE

 A biomassa é uma fonte de energia alternativa e renovável, e tendo em conta o foco que as empresas têm cada vez mais na sustentabilidade, é uma alternativa viável que pode trazer benefícios económicos e ajudar a reduzir a pegada de carbono.

A Executive Digest falou com Luís Gil, Vice-Presidente do Conselho de Administração do Centro da Biomassa para a Energia (CBE), por forma a perceber como podem as empresas utilizar a biomassa na sua atividade produtiva, quais as vantagens para as organizações, e qual o papel da CBE neste processo.

Em primeiro lugar, e para termos uma definição concreta, o que é a biomassa?

Biomassa é um conceito lato, mas focando no que se refere à sua valorização essencialmente para fins energéticos, que é o objetivo do Centro da Biomassa para a Energia (CBE), é a matéria orgânica, quer seja de origem vegetal quer animal, que pode ser utilizada como fonte de energia. Existem vários tipos de biomassa que são usados para fornecer energia, como os resíduos, incluindo-se nestes os resíduos florestais e os das indústrias da fileira florestal, os resíduos agrícolas e das indústrias agroalimentares bem como os seus efluentes, excreta animal proveniente das explorações pecuárias, a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos, esgotos urbanos e as culturas energéticas incluindo as culturas de curta rotação. Associada à biomassa temos a bioenergia que é a energia (calor, eletricidade) ou o combustível obtidos a partir da conversão da matéria orgânica, denominada de biomassa. A biomassa pode ser diretamente queimada para gerar calor e/ou eletricidade ou convertida em derivados para a produção de biocombustíveis sólidos, líquidos e gasosos que poderão ser usados como combustíveis em vários setores, incluindo os transportes. 

Biomassa e biocombustíveis é a mesma coisa?

Como já referido atrás, digamos que a biomassa é, genericamente, a matéria-prima e o biocombustível um produto intermédio derivado da biomassa para a produção de energia numa forma desejada. Assim, biocombustível é o combustível de origem biológica não fóssil, produzido a partir do processamento de biomassa. Deste modo, biocombustível é uma das formas sob as quais a biomassa pode ser utilizada. São considerados biocombustíveis, no âmbito da legislação aplicável, os combustíveis líquidos ou gasosos produzidos a partir de biomassa e utilizados, por exemplo, nos transportes. Embora existam muitos outros os mais conhecidos e amplamente utilizados são o biodiesel, o bioetanol e o biogás.

 

De que forma podem as empresas utilizar a biomassa na sua atividade produtiva?

De muitas formas, por exemplo como matéria-prima, mas na vertente energética, as formas mais correntes são na geração de eletricidade e calor, que podem ser gerados a partir de biomassa de uma forma dedicada ou em cogeração. A produção de biomassa envolve uma cadeia de atividades que vai desde o crescimento da matéria-prima até a conversão final de energia. Em termos de utilização, esta vai desde o aquecimento à geração de eletricidade, bem como ao uso como combustível para os transportes ou equipamentos com motores de combustão. Mas não só nos processos produtivos tem a biomassa utilização pelas empresas. Também as empresas de serviços podem recorrer à biomassa para sistemas de aquecimento e outros no âmbito da sua atividade.

Que vantagens têm as empresas com a sua utilização?

Muitas vantagens são as inerentes à utilização da biomassa nas empresas industriais. Nomeadamente no contributo para a sua descarbonização, aspeto essencial numa altura de transição energética. Além disso, nalguns casos, pode inclusivamente haver benefício económico devido à sua utilização. A diminuição da pegada de carbono dos produtos produzidos pode diminuir, o que tem também vantagens competitivas. Temos muitas indústrias de base florestal e agroalimentar que utilizam os seus próprios resíduos biomássicos para a produção de vários tipos de energia que utilizam nos seus processos produtivos, salientando-se por exemplo as ligadas à produção de pasta e papel, de transformação da cortiça, de produtos de madeira etc. Neste caso, o contributo para a independência energética destas indústrias também é de assinalar.

Qual a importância da biomassa para a economia nacional?

A biomassa é um pilar muito importante do mix energético nacional, quer pela sua produção endógena quer pela estabilidade que confere a esse sistema, contribuindo para a independência energética nacional e para a segurança do abastecimento de energia. Segundo os últimos dados (fevereiro de 2023) das Estatísticas Rápidas das Renováveis divulgados pela Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), a produção de energia elétrica através do uso de biomassa sólida (com e sem cogeração) foi de 3241 GWh, que corresponde a 9,8% do total das renováveis para este fim. Por exemplo, em termos de biodiesel, foram produzidos nos últimos 12 meses, 368 840 toneladas. Em 2021, a contribuição das Fontes de Energia Renovável (FER) no consumo de energia primária foi de 32%, sendo que o principal contributo para as FER, foi da biomassa com 43%, a que acresce 18% da hídrica, 6% de biocombustíveis. Em 2021, 69% da biomassa disponível foi transformada em outras formas energéticas, nomeadamente em centrais termoelétricas e em centrais de cogeração. Tendo estes dados em mente e pensando em termos da substituição da importação de energia por esta via, pode ter-se uma noção da importância para a economia nacional. A não sazonalidade da produção de energia a partir da biomassa, contrapõe o que se passa com outras renováveis, o que é importante. Acresce ainda que a utilização da biomassa florestal residual pode também dar um contributo assinalável para a redução do risco de incêndios rurais. A descarbonização da economia associada tem também importância concorrencial e económica. A fileira da biomassa é ainda geradora de emprego. Para além de fonte renovável para a produção de energia e como resultado de operações de gestão e exploração florestal, o aproveitamento da biomassa residual (florestal, agrícola ou outra) após a sua recolha pode também revelar-se uma oportunidade de valorização e contribuição ativa para a redução dos riscos associados à floresta, nomeadamente incêndios, pragas e doenças, e até de valorização do mundo rural.

Qual o potencial de Portugal para utilização de biomassa como fonte de energia?

Se nos focarmos, apenas como exemplo, na biomassa de origem florestal, pode ter-se uma ideia do potencial de Portugal neste domínio. O nosso país possui uma importante área florestal, pois mais de 1/3 do seu território (36%) é ocupado por florestas. Ainda ligado com a biomassa segue-se 31% de ocupação agrícola e 24% de áreas de incultos. Em 2021 estavam assinaladas 28 centrais a biomassa e 26 fábricas de péletes. A maior parte destas instalações estão localizadas na zona onde há a maior mancha florestal do país e onde há mais resíduos provenientes diretamente da exploração florestal, mas também da indústria transformadora de subprodutos. A produção de biocombustíveis tem também importância, como assinalado. Além disso, se apostarmos a nível da economia circular, o aproveitamento energético de produtos de base fotossintética depois da sua vida útil, pode ter também um contributo para este potencial.

Qual o trabalho desenvolvido pelo Centro da Biomassa para a Energia?

O CBE é uma associação técnica e científica sem fins lucrativos, vocacionada para a promoção da valorização da biomassa essencialmente para fins energéticos, através do desenvolvimento e transferência tecnológica, abrangendo toda a fileira da biomassa, da recolha e tratamento aos sistemas de conversão e produção de energia ou combustíveis, sendo constituído por associados públicos e privados representativos da área. O CBE desenvolve serviços laboratoriais, para o que tem um laboratório acreditado com prémios de qualidade e outros serviços como estudos, consultoria, formação, desenvolvendo ainda projetos de âmbito nacional e internacional, para o que detém um grupo de colaboradores reconhecidos no setor e um assinalável portfolio de estudos e projetos. Para além da atividade de apoio ao setor no domínio da biomassa/energia, o CBE tem também protocolos de colaboração com importantes stakeholders e está em fase de crescimento e diversificação da atividade, tendo recentemente aumentando o número de colaboradores e estando a diversificar os serviços que presta, ao mesmo tempo que está a aprofundar a internacionalização da sua atividade. Isto é importante nomeadamente por se tratar de uma instituição que está sedeada no centro/interior do país. As suas iniciativas e atividades podem ser consultadas na sua página da internet (www.centrodabiomassa.pt ) e na newsletter periódica que divulga, para além de outros canais. Embora o CBE esteja sedeado em Miranda do Corvo, no “centro da ação” da biomassa para a energia, tem também, desde há 3 anos um “front office” em Lisboa onde uma pequena equipa trabalha na gestão de projetos e no desenvolvimento de contactos institucionais. A sua atividade tem crescido, mesmo ao longo do período pandémico, com uma dinâmica que o tem colocado como um importante parceiro regional, nacional e mesmo internacional no seu domínio de atividade. O laboratório do CBE foi um dos primeiros a conseguir a acreditação na sua área.

Tem sido possível coordenar esforços com as diversas entidades privadas e organismos públicos? Que mais-valias se podem retirar dessa sinergia?

É evidente que têm sido feitos grandes esforços de coordenação de entidades privadas e organismos públicos no sentido de otimizar o setor da biomassa para a energia. Aliás, o CBE, é uma evidência desta coordenação pois tem como associados os principais stakeholders deste setor, seja da área pública seja da área privada. Nomeadamente, e apenas como exemplo, existe um importante protocolo de colaboração entre o CBE (associação privada) e a DGEG (serviço da administração central direta do Estado tendo por missão a conceção, promoção e avaliação das políticas relativas à energia) que tem como objetivo o desenvolvimento de ações que proporcionem o conhecimento do setor, a resolução de problemas associados e o desenvolvimento de políticas adequadas de que o setor necessita. Além disso esta parceria permite também dar apoio a projetos de cooperação internacional entre o Estado português e outros estados na área do binómio biomassa/energia. A sinergia dos conhecimentos e interesses destes vários intervenientes, é muito importante para a tomada de decisões equilibradas.

 

O que falta fazer nesta área da biomassa para o futuro?

Nem toda a biomassa florestal residual poderá ser aproveitada para produção de energia devido a limitações ambientais, físicas, logísticas, humanas e mesmo materiais. A viabilidade económica para o seu aproveitamento está diretamente relacionada com as características da própria biomassa, as condições orográficas do território nacional e a pequena dimensão da propriedade. No que toca à biomassa residual resultante da atividade agrícola e da indústria agroalimentar, há limitações para a utilização energética devido à diversidade de matérias-primas, à sazonalidade, às quantidades disponíveis, à localização geográfica, e à densidade, entre outros aspetos. Deve ser considerada a instalação de sistemas híbridos com componente de biomassa que permitem a complementaridade entre formas de energia. No setor do aquecimento e arrefecimento, deve ser incentivado do uso de tecnologias de elevado potencial e eficiência, como caldeiras a biomassa, como complemento ao solar térmico. Outra oportunidade será a gestão do material biomássico sob as linhas aéreas de alta e média tensão e das faixas de gestão de combustível. Redesenhar as cadeias de abastecimento da biomassa florestal para redução dos custos logísticos e aumento da quantidade e diversidade de fontes de biomassa florestal seria também importante. São necessárias políticas que permitam retirar, com conta, peso e medida a matéria residual das florestas e apostar num sistema logístico para a sua recolha local e eventual primeira preparação, ao mesmo tempo que, numa perspetiva de circularidade possam promover a reintrodução adequada nas zonas de origem dessa biomassa de resíduos do seu aproveitamento energético, melhorando e incrementando a produção da biomassa. É também necessário promover a utilização dessa biomassa, próximo do local de recolha, promovendo sistemas da sua utilização regional. A dinamização do aproveitamento da biomassa residual florestal deve considerar os principais intervenientes ao longo da cadeia de abastecimento, sendo ainda necessário a dinamização e a flexibilização de modelos de gestão agrupada, e uma maior articulação entre todos os intervenientes.

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