Dissolução deixa Parlamento em serviços mínimos: como fica a funcionar a casa da democracia?

A Assembleia da República (AR) vai ser dissolvida na próxima quarta-feira, dia 19 de março, para que daqui a 60 dias os portugueses possam novamente ir às urnas escolher uma nova composição parlamentar. Apesar da dissolução do Parlamento, a legislatura só termina na véspera da tomada de posse dos deputados que forem eleitos nas legislativas de 18 de maio, previsivelmente no final desse mês.

A partir de dia 19 de março, até às eleições, estará em funções a Comissão Permanente, um órgão com menos deputados e com poderes limitados, que será chamado, sempre que necessário, a controlar aquilo que o Governo (em gestão) está a fazer, ou para declarar, se tal viesse a ser necessário, o Estado de Sítio ou de Emergência. No fundo, compete-lhe vigiar o cumprimento da Constituição e acompanhar a atividade do governo, e da administração.

Esta comissão é presidida pelo presidente da Assembleia da República, José Pedro Correia de Aguiar-Branco, e composta pelos vice-presidentes, Teresa Morais (PSD), Marcos Perestrello (PS), Diogo Pacheco de Amorim (Chega) e Rodrigo Saraiva (IL), bem como por deputados indicados por todos os partidos, de acordo com a respectiva representatividade na Assembleia.

No total, segundo a composição publicada no site do Parlamento, além do presidente e dos seus “vices”, integram a Comissão Permanente 46 deputados: 16 deputados do PS, 14 deputados do PSD, dez deputados do Chega, um deputados da Iniciativa Liberal e um de cada um dos restantes partidos com assento parlamentar: CDS, PCP, BE, PAN e Livre.

Com a dissolução decretada por Marcelo, o Parlamento fica assim em serviços mínimos, com a Comissão Permanente a assegurar o seu funcionamento, enquanto o Governo terá a sua capacidade jurídica diminuída, na medida em que todas as competências que são partilhadas com o Parlamento não podem ser exercidas. Não pode receber nem executar as autorizações legislativas e não pode apresentar propostas de lei.

Esta é a terceira dissolução do Parlamento decretada por Marcelo Rebelo de Sousa, que em 2021 se tornou o quinto Presidente da República consecutivo a utilizar este poder constitucional, na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade. É também a 10ª dissolução da Assembleia da República desde o 25 de Abril de 1974.

Até agora, nenhum dos presidentes eleitos em democracia deixou de recorrer a este instrumento: Ramalho Eanes dissolveu o Parlamento três vezes, Mário Soares uma, Jorge Sampaio duas e Aníbal Cavaco Silva uma.

Recorde-se que a crise política foi desencadeada há cerca de um mês após notícias sobre uma empresa familiar que pertenceu ao primeiro-ministro, a Spinumviva, levando à apresentação de duas moções de censura do Chega e PCP, ambas chumbadas. Face às dúvidas que os partidos continuaram a manifestar, o primeiro-ministro anunciou a apresentação de uma moção de confiança, rejeitada na terça-feira, que provocou a queda do Governo.

As dúvidas sobre antiga empresa de Luís Montenegro, que antes de ir para o Governo passou à sua mulher e mais recentemente aos seus filhos, levou o PS a apresentar uma comissão parlamentar de inquérito para produzir resultados num prazo de 90 dias. No debate em plenário, o Governo admitiu retirar a moção de confiança caso o PS reduzisse o tempo do inquérito para 15 dias, mas o PS rejeitou.

Após uma interrupção dos trabalhos durante meia-hora, o PSD fez saber que propôs ao PS que o inquérito durasse até final do mês de maio, ou seja, cerca de dois meses, proposta que também foi rejeitada pelo PS. O requerimento do PS para uma comissão de inquérito propõe um prazo de até 90 dias.

O calendário político em Portugal, após a dissolução da Assembleia da República, é este:

23 de março: eleições legislativas antecipadas na Madeira

A Madeira vai a votos para eleições antecipadas na assembleia regional, num escrutínio que poderá influenciar a estratégia dos partidos nas legislativas nacionais.

18 de maio: eleições legislativas antecipadas no Continente

A Constituição determina que no mesmo momento da dissolução tem de ser marcada a data das novas eleições eleições, a realizar nos 60 dias seguintes. A lei eleitoral obriga a que sejam convocadas com a antecedência mínima de 55 dias.

Meados e fim de junho: formação do novo Governo

O processo pós-eleitoral também já pode ser projetado com base no histórico recente. Em 2024, após as eleições de 10 de março, o então primeiro-ministro indigitado, Luís Montenegro, foi nomeado a 21 de março, anunciou os ministros a 28 de março e o Governo tomou posse a 2 de abril. O programa de Governo foi aprovado a 11 de abril.

Caso o processo decorra com tempos semelhantes, um novo Executivo poderá estar em funções entre meados e fim de junho, dependendo das negociações para a aprovação do programa de Governo.

Início de julho: marcação das eleições autárquicas

O novo Governo terá como uma das primeiras responsabilidades a marcação das eleições autárquicas, que deverão ocorrer entre meados de setembro e meados de outubro. Pela lei, o Executivo deve marcar o ato eleitoral com uma antecedência mínima de 80 dias.

9 de setembro: fim do poder presidencial para dissolver o Parlamento

Marcelo Rebelo de Sousa está também na reta final do seu segundo mandato. No dia 9 de setembro, ao entrar nos últimos seis meses do cargo, perde o poder de dissolver a Assembleia da República. Contudo, se as eleições legislativas ocorrerem em maio, o Parlamento não poderá ser dissolvido nos seis meses seguintes, o que significa que este poder já não será um instrumento ao dispor do Presidente.