Desconfiança causou queda de 60% nos investimentos verdes 2023
A secretária-geral da ONU Comércio e Desenvolvimento (antiga UNCTAD) disse hoje que o montante para investimentos verdes caiu 60% no ano passado devido à desconfiança dos investidores, defendendo mais transparência e responsabilização nesta área.
“Precisamos do setor privado para garantir o financiamento do desenvolvimento, isso não vai acontecer automaticamente, e olhando para o último ano vemos que o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) está a descer, e o investimento nos setores relacionados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente a agricultura e a água e o saneamento, caiu 10%, o que é uma tendência muito preocupante”, disse Rebeca Grynspan em entrevista à Lusa a partir de Genebra.
Para além da redução dos fluxos comerciais de investimento, a responsável salienta que mais preocupante que isso é a falta de confiança dos investidores nos projetos verdes, ou seja, projetos que, por incidirem em áreas ambientais e sociais, beneficiam de condições especiais por parte da maioria dos governos.
“Há uma tendência muito preocupante no setor financeiro; o financiamento sustentável estava a crescer, mas em 2023 vimos uma queda de 60% nas verbas para esse tipo de projetos, e pensamos que isso tem a ver com a desconfiança, a que chamamos de ‘greenlash'”, explicou Rebeca Grynspan.
“Há perda de confiança de que os fundos que se apelidam de verdes estão mesmo a fazer investimentos verdes, e vemos um ‘greenlash’, que é o efeito de reversão na confiança e no dinheiro que é canalizado para esses fundos”, disse a líder da UNCTAD, agora designada de ONU Comércio e Desenvolvimento.
Para reverter esta situação, apontou, é preciso aumentar a responsabilização e a transparência, e a melhor maneira de isso acontecer é “combinar o dinheiro dos bancos multilaterais de desenvolvimento, dos governos e do setor privado, sabendo que apenas os privados não serão suficientes, porque preferem apostar em países desenvolvidos”.
Só 2% de todos os investimentos em energias renováveis vão para África, lamentou a responsável, apontando o megaprojeto de energia limpa na Mauritânia como um bom exemplo, mas reconhecendo que não é suficiente para garantir uma transição energética sustentável nem nesse país, nem no resto do continente.
Para além do problema da falta de investimento necessário, Rebeca Grynspan disse também que este o investimento está a ser feito ao contrário das necessidades, uma vez que os países do hemisfério norte estão a receber mais fluxos financeiros dos países do sul do que o contrário.
“Há um fluxo do sul para o norte, não do norte para o sul, os fluxos são negativos para os países em desenvolvimento, pagamos mais em empréstimos ao norte do que o dinheiro que vem do norte para estes países”, lamentou Rebeca Grynspan.
Esta questão está ligada, recordou, aos pagamentos de dívida pública dos países mais pobres e à falta de investimento dos grandes investidores internacionais nos países em desenvolvimento do hemisfério sul.
O recente fundo híbrido aprovado pelo Grupo Banco Mundial, que promete aumentar a mobilização de financiamento para 70 mil milhões de dólares, cerca de 64,5 mil milhões de euros, “é um bom exemplo do que pode ser feito, porque foi desenhado excluindo o aumento dos juros, e porque engloba também países de médio rendimento”, considerou.
“Em conjunto com a nova plataforma de garantias do Grupo, pode garantir a escala necessária para reverter esta tendência muito negativa”, concluiu a secretária-geral da ONU Comércio e Desenvolvimento.