“Cultura tóxica de segredo, intimidação, medo e conduta sexual imprópria”: Diretor-geral da Harrods demite-se do Royal Ballet após acusações contra Mohamed Al Fayed
O diretor-geral da Harrods, Michael Ward, apresentou um pedido de desculpas público e decidiu afastar-se do seu cargo na Royal Ballet e na Royal Opera House. Este afastamento surge na sequência das alegações de décadas de má conduta sexual e abuso por parte do antigo proprietário dos grandes armazéns, Mohamed Al Fayed.
Ward admitiu que a Harrods falhou em proteger os seus funcionários, e afirmou que Fayed “presidiu a uma cultura tóxica de segredo, intimidação, medo de represálias e conduta sexual imprópria” durante os anos em que esteve à frente da loja de luxo. A confissão de Ward lança uma nova luz sobre o ambiente de trabalho que prevaleceu sob a liderança do bilionário egípcio, que faleceu no ano passado aos 94 anos.
Ward, que trabalhou diretamente com Fayed durante quatro anos, até à mudança de propriedade em 2010, declarou-se envergonhado por não ter tido conhecimento da dimensão dos abusos. “Não estava ciente da sua criminalidade e abuso”, afirmou Ward, descrevendo esse período como “uma fase vergonhosa na história da empresa”.
Estas declarações surgiram após uma nova denúncia divulgada pela BBC, onde uma mulher relatou ter sido convocada para o apartamento de Fayed, onde foi violada. “Ele ficou zangado, as portas foram trancadas e eu não consegui sair. Ele violou-me”, contou a vítima. Até ao momento, cinco mulheres vieram a público acusar Fayed de violação, e outras várias denunciaram má conduta sexual durante o período em que esteve à frente da Harrods.
Na sequência destas novas revelações, a Scotland Yard apelou às sobreviventes que ainda não denunciaram os abusos para que o façam. Embora Fayed já não possa ser responsabilizado criminalmente devido à sua morte, a polícia informou que irá investigar se outras pessoas podem ser implicadas em crimes relacionados. “Vamos explorar todas as possibilidades para determinar se outras pessoas podem ser perseguidas judicialmente”, afirmaram as autoridades.
Ward também anunciou que está em curso uma revisão independente sobre os casos relacionados com as alegações de abuso, com o objetivo de esclarecer o que aconteceu e como a empresa pode oferecer apoio às vítimas. “Falhámos aos nossos colegas e, por isso, estamos profundamente arrependidos”, disse o diretor-geral.
Ward adiantou que, durante o tempo que o fundador esteve na empresa, havia rumores sobre o comportamento de Fayed, mas que nunca foram formalmente apresentados queixas ou acusações. “Embora seja verdade que circulavam rumores sobre o seu comportamento, nunca recebi quaisquer acusações por parte da polícia, do Ministério Público, de canais internos ou de outras fontes. Caso as tivesse recebido, teria, obviamente, agido de imediato”, garantiu Ward.
Cultura tóxica e responsabilidade empresarial
Ward foi ainda mais longe, e descreveu que Fayed geria a Harrods “como o seu próprio feudo pessoal”, e sugeriu que esta cultura tóxica permeava todos os negócios em que o bilionário se envolvia. De acordo com o diretor-geral, nos últimos 18 meses, à medida que novos detalhes vieram a público, a empresa estabeleceu um processo de indemnizações em colaboração com especialistas externos em litígios de lesões pessoais, para oferecer apoio e compensação às vítimas. “Encorajamos antigos funcionários a contactarem-nos através deste processo, de modo a podermos fornecer o apoio e a reparação de que necessitam”, acrescentou.
Fontes internas da Harrods confirmaram que a empresa aceitou a responsabilidade vicária pelos atos de Fayed, permitindo assim resolver a maioria das reclamações apresentadas pelas alegadas vítimas desde 2023.
Ainda, Ward sublinhou que não terá qualquer influência na revisão independente que está a ser conduzida por um comité não-executivo da administração. “Não faço parte do comité que conduz esta revisão e de forma alguma irei influenciar o seu funcionamento ou as suas recomendações. No entanto, forneci todas as informações necessárias para que a minha própria conduta possa ser avaliada, assim como a dos meus colegas”, afirmou.
Como consequência das investigações, Ward decidiu ainda afastar-se temporariamente dos cargos de curadoria que ocupa em várias instituições de caridade. “Afastei-me das minhas funções como administrador de instituições de caridade enquanto decorre esta revisão”, revelou.