Crise no Líbano cresce a cada minuto… e o Governo não dá sinais de vida. População diz que “só vai acordar quando a guerra tiver acabado”
O Líbano encontra-se num estado de paralisia, mergulhado numa crise política e social que se agravou nos últimos anos e que atingiu um novo patamar com o recente confronto com Israel. Apesar das crescentes dificuldades, a ausência do governo libanês é evidente, deixando os cidadãos a depender de voluntários, organizações de base e ajuda internacional para sobreviver.
Os acontecimentos mais recentes começaram a desenrolar-se na madrugada da passada terça-feira, quando tropas israelitas entraram no sul do Líbano, e a escalada agravou-se na última sexta-feira com o assassinato de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah. Nasrallah, uma figura influente e, por vezes, polémica, era conhecido tanto pela sua influência na política e segurança do Líbano como pela sua liderança do grupo militante e político apoiado pelo Irão. Nas suas últimas declarações, Israel afirmou que o ataque fazia parte de uma resposta aos lançamentos de foguetes e confrontos iniciados pelo Hezbollah ao longo da fronteira, trazendo a guerra do Gaza para o coração do Líbano.
Apesar de o Hezbollah não ser oficialmente o governo do Líbano, sob a liderança de Nasrallah, o grupo desempenhou um papel dominante no país, tornando-se um verdadeiro “estado dentro do estado” com a sua própria estrutura militar, escolas, hospitais e programas sociais. A morte de Nasrallah trouxe mais incerteza a um país já assolado por uma série de crises sem precedentes, levando muitos a questionarem o futuro do Líbano sem o seu domínio sobre a política e segurança nacionais.
Crises acumuladas ao longo dos anos
O sofrimento do Líbano não é recente. Muitos apontam 2019 como o início da queda, quando a economia libanesa colapsou, arrastando consigo uma outrora próspera classe média. As manifestações em massa contra o governo naquele outono não conseguiram afastar uma classe política amplamente detestada. Depois, em 2020, a pandemia de Covid-19 atingiu duramente o país, ao mesmo tempo que uma explosão devastadora no porto de Beirute destruiu bairros inteiros da capital, simbolizando a negligência e a corrupção governamentais.
No entanto, muitos veem a origem de todos os problemas no longo conflito civil que terminou em 1990, deixando o país profundamente dividido e servindo de terreno fértil para o crescimento do Hezbollah. A sucessão destas crises deixou o Líbano sem forças para enfrentar o atual conflito com Israel, tal como um país encurralado num gigantesco desastre, incapaz de se mover ou reagir.
Nas últimas semanas, mais de 118 mil libaneses fugiram das suas casas devido aos bombardeamentos israelitas que atingiram o sul do Líbano, o Vale de Bekaa e os subúrbios de Dahiya, em Beirute, uma zona fortemente controlada pelo Hezbollah. Esta vaga de deslocados encontrou pouca ou nenhuma ajuda por parte do governo, que designou centenas de edifícios públicos como abrigos, mas não forneceu os recursos necessários, como colchões, alimentos ou água. A informação sobre os abrigos espalhou-se desorganizadamente, muitas vezes através de mensagens de WhatsApp ou por redes de familiares, sem qualquer coordenação oficial.
Mark Daou, um deputado independente, descreveu ao New York Times a resposta oficial como “caótica” e não ficou surpreendido com a ausência do governo. “Não têm dinheiro e não têm controlo sobre o que está a acontecer no terreno”, disse Daou, salientando que o exército libanês tem pouco poder real. “Estão reféns do que o Hezbollah decide unilateralmente.”
A paralisia política
O Líbano vive uma profunda crise política há quase dois anos, sem presidente e com um governo de transição. Hezbollah tem bloqueado ativamente tentativas de resolução, contribuindo para a paralisia. A falta de ação governamental é evidente em áreas críticas como a eletricidade, onde o fornecimento estatal é praticamente inexistente, deixando os libaneses dependentes de geradores privados, muitas vezes inacessíveis devido aos elevados custos.
Enquanto isso, a crise financeira devastou o país, deixando milhares de profissionais, incluindo médicos, enfermeiros e jovens empreendedores, sem escolha a não ser emigrar. Para muitos libaneses, as poupanças permanecem inacessíveis em bancos que limitam a retirada de fundos, levando alguns a recorrer a assaltos a agências para recuperar o seu próprio dinheiro. A inflação galopante e o aumento do custo de vida deixaram famílias em dificuldades, incapazes de comprar bens essenciais ou pagar despesas médicas e escolares.
Voluntários preenchem o vazio deixado pelo governo
Com o governo ausente, a sociedade civil libanesa tem respondido à crise. Vários voluntários e organizações de ajuda têm desempenhado um papel crucial no fornecimento de assistência aos deslocados. Sarah Khalil, membro do conselho de uma escola privada em Beirute, estava entre as muitas pessoas que abriram as portas a famílias necessitadas. “Esta é a única maneira”, afirmou Khalil. “Não podemos contar com o governo, mas podemos certamente contar com os que nos rodeiam.”
O cenário é semelhante noutras partes do país. A escola Dr. Sobhy Salah, no bairro de Bir Hassan, foi transformada num abrigo graças à organização de jovens ligados ao Movimento Amal, um partido político xiita. “Não há governo, para começar”, lamentou Mohamed Jaber, um dos voluntários. “O governo só vai acordar depois de a guerra acabar.”
O Líbano também acolhe cerca de 750 mil refugiados sírios que fugiram do conflito no seu país, agravando ainda mais a situação. Bushra Ali, uma refugiada síria de 24 anos que deixou Alepo após o terramoto que destruiu a sua casa, encontrou-se novamente deslocada com a sua família devido aos recentes bombardeamentos. “É um sentimento horrível”, disse ela, segurando os filhos pequenos enquanto procuravam abrigo debaixo de uma ponte em Beirute. O seu desespero reflete a crescente crise humanitária que afeta tanto os libaneses como os refugiados que procuram segurança num país que já enfrenta desafios avassaladores.
Muitos libaneses comparam a situação atual com o caos que se seguiu à explosão do porto de Beirute em 2020, quando o governo também permaneceu ausente e os cidadãos comuns assumiram a responsabilidade de limpar os destroços e prestar auxílio aos necessitados. Organizações como a Nation Station, que começou a distribuir refeições a partir de uma estação de serviço abandonada após a explosão, voltaram a intensificar os seus esforços, fornecendo refeições diárias aos deslocados.
“É como se estivéssemos de volta aos dias após a explosão do porto”, afirmou Josephine Abou Abdo, cofundadora da Nation Station. “Desta vez, é a ofensiva de Israel que nos está a unir.”