
Crise na habitação: Preço das casas antigas em 2024 atinge valores das novas em 2019
O preço médio das casas antigas em Portugal atingiu, em 2024, o mesmo valor que custava uma casa nova em 2019, revelando um agravamento da crise no setor habitacional e confirmando uma tendência de desequilíbrio crescente entre a oferta e a procura. A conclusão é do mais recente estudo da consultora CBRE, intitulado Unlocking the Potential of Portugal’s Residential Market, divulgado esta quinta-feira, 6 de junho, e que traça um retrato preocupante do mercado residencial nacional.
De acordo com a CBRE, “o mercado residencial português atingiu um novo ponto crítico”, sendo agora tão caro comprar uma casa usada como seria adquirir uma nova há apenas cinco anos. Esta valorização das casas antigas, muitas das quais com mais de meio século, é o reflexo direto da escassez de oferta nova e do desfasamento entre o que o mercado disponibiliza e as reais necessidades habitacionais das famílias portuguesas.
“O atual contexto de escassez de oferta habitacional nas zonas urbanas, aliado à pressão demográfica e aos incentivos fiscais que estimulam a procura, exige uma resposta urgente e sustentada ao nível da construção de nova habitação”, afirma Igor Borrego, responsável de Capital Markets da CBRE Portugal. Para o responsável, o país “não necessita apenas de mais casas, mas sim de bairros inteiros, empreendimentos com dimensão, pensados para as necessidades reais das famílias de hoje – menores, mais diversas, com menos poder de compra – e em localizações com acessibilidade e serviços”.
50% do parque habitacional tem mais de 50 anos
Segundo o estudo, cerca de 50% do parque habitacional português tem mais de 50 anos, estando muitas dessas casas desajustadas das dinâmicas familiares e sociais atuais. A percentagem de transações de imóveis novos desceu de cerca de 40% em 2009 para menos de 20% em 2024, revelando um retrocesso na renovação do parque habitacional.
José Maria Moutinho, diretor de Research da CBRE, explica que este desajuste resulta de “uma quantidade muito grande de casas antigas, que foram desenhadas tendo em conta pressupostos de família que já não se aplicam”, como agregados mais numerosos e com diferentes padrões de vida. “Todos percebem o que está na origem desta situação”, afirma. “A escassez de oferta e a procura elevada – exacerbada pela questão migratória e pela reconfiguração demográfica – criaram um desajuste estrutural no mercado.”
Medidas recentes agravaram a situação
O mesmo responsável considera que algumas das medidas de apoio ao acesso à habitação implementadas recentemente tiveram efeitos contraproducentes. Entre essas políticas estão a isenção de IMT e Imposto do Selo para habitações até 300 mil euros, o financiamento a 100% para jovens e a redução do IRS jovem. “O que isto fez foi acrescentar gasolina à fogueira”, critica. “Não houve uma redução de preços, houve uma exacerbação da oferta e a procura ficou estagnada.”
Ainda assim, Moutinho reconhece que, com o foco na promoção da oferta, o país poderá assistir a uma estabilização ou até à redução dos preços. “Quando se conseguir equilibrar esta equação entre a oferta e a procura, essencialmente é isto”, conclui.
Onde construir: localizações estratégicas
A CBRE identifica várias zonas do país onde ainda é possível construir em larga escala, permitindo acelerar a resposta ao défice habitacional. Na Área Metropolitana de Lisboa, destacam-se a Alta de Lisboa, o Parque das Nações, o Taguspark (Oeiras), Montijo, Alcochete e Vila Franca de Xira. No Grande Porto, Águas Santas (Maia), Prelada e a zona oriental da cidade são apontadas como áreas com potencial.
Estas localizações, segundo a CBRE, representam oportunidades concretas para desenvolver habitação nova ajustada ao perfil atual das famílias, muitas das quais são compostas por apenas uma ou duas pessoas. A construção nestas zonas poderá ajudar a aliviar a pressão sobre os centros urbanos, onde os preços dispararam. Como refere Igor Borrego, “Lisboa, Porto e Algarve viram os preços dos imóveis mais do que duplicar nos últimos 10 anos, mas assiste-se recentemente a um aumento mais acentuado nas periferias dos grandes centros urbanos”.
A pressão das periferias e o apetite dos investidores
A pressão habitacional está, aliás, a espalhar-se pelas periferias. José Maria Moutinho sublinha que “a maior parte das pessoas querem comprar casas perto de onde trabalham” e que há zonas “onde qualquer habitação que apareça é vendida quase no mesmo instante”. Por contraste, no interior do país, os imóveis podem permanecer à venda durante longos períodos. Esta assimetria regional sempre existiu, mas “está agora mais exacerbada”, nota.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), publicados em março, confirmam a tendência de valorização contínua. Em 2024, o ritmo de aumento dos preços das casas voltou a acelerar, com um crescimento de 9,1% face a 2023. E, apesar da escassez, o número de transações também aumentou: mais 14,5% de vendas em comparação com o ano anterior.
A situação está a atrair capital estrangeiro. A CBRE dá conta de que a habitação em Portugal se tornou a “classe de ativos mais atrativa para investir em 2025 na Europa”, com o país a posicionar-se no “top de destinos preferidos pelos investidores estrangeiros que procuram rentabilidade através do setor imobiliário”.
O impacto no arrendamento e o risco geracional
Esta pressão também se faz sentir no mercado de arrendamento. “Tudo o que acontece no mercado de transação depois tem impacto nos novos contratos que são feitos”, explica José Maria Moutinho. “Se compro mais caro também tenho que arrendar mais caro, porque uma parte grande da renda vai para o banco.”
Portugal continua, ainda assim, a destacar-se pelo elevado número de proprietários. Cerca de 77% da população vive em casa própria – uma das percentagens mais altas da Europa, só ultrapassada pela Polónia e pela Noruega. Nos países nórdicos, bem como em Espanha, Itália ou Grécia, existe uma maior cultura de arrendamento.
Face a tudo isto, a questão que se coloca é se a próxima geração conseguirá alcançar a independência habitacional. “Não diria que estamos em risco imediato disto acontecer”, responde Moutinho, “mas é preciso vigiar esta equação, sobretudo o estado das poupanças das populações mais jovens”.
Casas vagas: um recurso por explorar
Por fim, o estudo alerta para o número elevado de casas vagas em Portugal: cerca de 12% das habitações estão desocupadas, tanto em Lisboa como no Porto. “Portanto, não é bem que faltem casas, há bastantes habitações, só que não são casas que estejam num ponto de utilização imediata ou ajustadas à realidade atual do mercado”, resume o diretor da CBRE.
Com a pressão da procura, a falta de mão de obra qualificada no setor da construção e os custos de edificação em alta, o Governo encontra-se agora numa “posição complexa”. Resolver o problema da habitação passa inevitavelmente por aumentar a oferta – e fazê-lo de forma planeada, estratégica e eficaz. O estudo da CBRE pretende ser um contributo técnico para essa reflexão e um apelo à ação urgente.