
Costa, Meloni, Macron…: Quem deve representar a Europa nas negociações de paz Rússia-Ucrânia?
Os países europeus insistem que qualquer discussão sobre a paz na Ucrânia deve contar com a participação direta de Kiev e da União Europeia. No entanto, enquanto Washington e Moscovo já iniciaram conversações, a Europa continua sem um representante oficial nas negociações.
A escolha de quem poderá falar em nome da UE ainda não começou a ser discutida formalmente entre os líderes europeus, segundo fontes diplomáticas citadas pelo Euronews.
Contudo, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, iniciou um processo de consultas bilaterais com os 27 Estados-membros, com o objetivo de clarificar as suas posições em relação ao apoio à Ucrânia e às garantias de segurança que poderão oferecer.
“O Coreper foi informado ontem à noite sobre esta iniciativa”, confirmou uma fonte da UE ao Euronews, referindo-se ao Comité de Representantes Permanentes, órgão que reúne os diplomatas dos Estados-membros em Bruxelas.
Especula-se que estas conversações possam abordar a possibilidade de nomear um Enviado Especial Europeu para a Ucrânia, como solicitado por Kiev.
EUA e Rússia iniciam negociações sem a UE
As primeiras conversações diretas entre os Estados Unidos e a Rússia tiveram lugar em Riade, na Arábia Saudita, no dia 18 de fevereiro. O encontro ocorreu apenas seis dias após o ex-presidente norte-americano Donald Trump ter anunciado que um diálogo com Vladimir Putin começaria “imediatamente”, após uma chamada telefónica que descreveu como “longa e altamente produtiva”.
A ausência da UE nestas negociações gerou indignação entre os líderes europeus e o próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que insistem que qualquer solução para o conflito deve incluir Ucrânia e Europa desde o início do processo.
Kiev apela a um enviado especial da UE
O governo ucraniano tem pressionado Bruxelas para nomear um representante europeu oficial nas negociações, à semelhança dos EUA, que já designaram o general Keith Kellogg para essa função.
“Esta deve ser uma decisão rápida”, afirmou Ihor Zhovkva, vice-chefe do gabinete de Zelensky, ao Bloomberg. “Espero que seja tomada logo após a reunião em Paris. Devemos agir, não apenas reagir.”
Apesar desta pressão, três diplomatas europeus disseram ao Euronews que a questão não foi abordada em recentes encontros diplomáticos, incluindo as reuniões em Munique e Paris.
“Não há nomes em consideração. Esta não é uma questão relevante neste momento. Não se trata do ego de indivíduos, mas sim dos interesses europeus. Primeiro, precisamos de definir uma posição comum, só depois podemos discutir quem a deve apresentar”, afirmou um diplomata, sob condição de anonimato.
Na reunião informal em Paris, organizada pelo presidente francês Emmanuel Macron e que reuniu líderes da Alemanha, Reino Unido, Itália, Polónia, Espanha, Países Baixos e Dinamarca, além dos chefes do Conselho Europeu, Comissão Europeia e NATO, também não houve avanços sobre quem deveria representar a Europa nas negociações.
Macron vai realizar uma nova reunião virtual na próxima quarta-feira, alargando a participação a outros líderes da UE e da Noruega.
A Europa chegou tarde demais?
Especialistas ouvidos pelo Euronews alertam que a Europa se autoexcluiu do processo por não se ter preparado atempadamente para estas negociações.
Segundo Claude-France Arnould, ex-diplomata francesa e conselheira para assuntos europeus no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), a UE devia ter tomado a iniciativa antes que Trump lançasse o seu próprio plano.
“A UE ou alguns Estados europeus deviam ter proposto conversações antes da iniciativa de Trump, possivelmente envolvendo países fora da UE”, afirmou Arnould.
“Agora, estamos numa situação em que tentamos comprar um lugar à mesa, oferecendo tropas ou dinheiro num contexto que não controlamos.”
Quem poderia representar a Europa?
Embora a decisão sobre um representante europeu não esteja tomada, alguns nomes começam a destacar-se.
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, surge como um dos favoritos, assim como a Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Kaja Kallas.
Para Armida van Rij, diretora do programa europeu do Chatham House, Costa seria a melhor escolha, pois a sua função no Conselho Europeu consiste precisamente em construir consensos entre os Estados-membros.
Já Sven Bishop, diretor do programa “Europa no Mundo” do Egmont Institute, sugere que Costa e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também poderiam assumir este papel.
“A UE deve estar representada, porque a decisão de continuar com o processo de adesão da Ucrânia é estrategicamente crucial”, afirmou Bishop.
No entanto, ele alerta que apenas Estados podem oferecer garantias de segurança à Ucrânia, pelo que defende a inclusão de Keir Starmer (primeiro-ministro britânico), Emmanuel Macron e Donald Tusk (primeiro-ministro polaco), dada a sua relevância militar e política.
Os desafios na escolha de um representante europeu
A nomeação de um líder europeu para estas negociações enfrenta vários desafios.
Macron, por exemplo, já sugeriu o envio de tropas de manutenção de paz para a Ucrânia, uma proposta rejeitada por outros Estados-membros. Além disso, a sua posição enfraquecida na política interna francesa pode reduzir a sua influência.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, poderia ser uma opção, visto que tem uma boa relação com Trump e é favorável à Ucrânia, UE e NATO. No entanto, o baixo investimento da Itália na defesa, que não atinge a meta de 2% do PIB exigida pela NATO, pode desqualificá-la aos olhos de Washington.
Outro fator complicador é o contexto político na Alemanha, onde as eleições de 23 de fevereiro podem levar à substituição do chanceler Olaf Scholz por Friedrich Merz, do partido conservador CDU. Caso Merz assuma o cargo, a sua posição poderá estar mais alinhada com Macron, o que facilitaria uma posição conjunta da França e Alemanha. No entanto, as negociações para a formação do novo governo alemão podem arrastar-se por meses, adiando qualquer decisão.
Além disso, ainda não está claro se o Reino Unido e outros países não pertencentes à UE aceitariam um representante europeu ou exigiriam um lugar próprio à mesa de negociações.
As declarações recentes de Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, e Sergey Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, indicam que nenhum dos dois lados prevê incluir a Europa no processo.
Rubio afirmou que a UE só poderá ser envolvida mais tarde, quando for necessário discutir o levantamento de sanções contra a Rússia.
Entretanto, a UE aprovou esta semana um 16.º pacote de sanções contra Moscovo, que inclui restrições ao setor do alumínio e medidas contra a chamada “frota sombra” de petroleiros russos.
Com os EUA e a Rússia a liderarem as conversações e sem um consenso interno sobre quem pode representar a Europa, é cada vez mais provável que a UE fique de fora das negociações iniciais.
A incerteza política, os diferentes interesses dos Estados-membros e a falta de um representante unificado tornam improvável que a Europa consiga um lugar à mesa num futuro próximo.