
Como pode terminar a guerra? Um guia passo a passo para um possível acordo de paz na Ucrânia
As negociações para um possível acordo de paz na Ucrânia prometem ser complexas, com um equilíbrio difícil entre a soberania ucraniana e as exigências da Rússia por “garantias de segurança”. Embora especialistas vejam algumas possibilidades de compromisso, qualquer acordo terá desafios significativos.
O ex-presidente dos EUA e atual candidato republicano, Donald Trump, declarou que quer “fazer um acordo” para “PARAR esta guerra ridícula” na Ucrânia. O seu recente telefonema com o presidente russo, Vladimir Putin, e a reunião prevista entre altos responsáveis dos EUA e da Rússia na Arábia Saudita aumentaram as expectativas de um possível fim para três anos de conflito.
Mas como funcionariam estas negociações? Quem estaria envolvido? E que forma poderia ter um eventual acordo?
Desde o início da invasão russa em 2022, várias tentativas de negociação falharam. Agora, com um novo impulso diplomático, analisamos os principais pontos que poderão moldar um possível acordo de paz.
Quem participaria nas negociações?
Durante a administração Biden, os EUA tentaram isolar diplomaticamente a Rússia, insistindo que qualquer acordo sobre o futuro da Ucrânia teria de incluir o governo de Kiev. No entanto, Trump rompeu com essa abordagem ao discutir a guerra diretamente com Putin no dia 12 de fevereiro, sem a participação prévia do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Neste momento, quem parece mais isolado é a Ucrânia. Zelensky afirmou que não foi convidado para a reunião na Arábia Saudita entre assessores de Trump e delegados russos. A Europa também poderá ser excluída, apesar de ter fornecido mais de 140 mil milhões de dólares em ajuda à Ucrânia desde o início da guerra, um montante superior ao dos EUA.
Trump já indicou que poderá encontrar-se com Putin em breve na Arábia Saudita. Entretanto, países como o Catar, os Emirados Árabes Unidos e a Turquia têm servido como mediadores em questões como trocas de prisioneiros e negociações sobre o Mar Negro.
Território: onde pode estar o compromisso?
A Ucrânia mantém a sua posição de que nunca reconhecerá oficialmente qualquer alteração às suas fronteiras. Já a Rússia não só reclama os cerca de 20% do território ucraniano que já controla, como reivindica mais terras nas quatro regiões ocupadas de forma parcial.
Um possível compromisso: congelar os combates
Uma das soluções em discussão seria a Rússia manter o território que ocupa atualmente, sem continuar a ofensiva militar. Neste cenário, a Ucrânia e o Ocidente não reconheceriam formalmente a anexação, mas também não contestariam de imediato o controlo russo dessas áreas. O acordo poderia incluir uma cláusula para resolver disputas territoriais de forma pacífica num prazo de 10 ou 15 anos, uma abordagem semelhante à que negociadores ucranianos sugeriram para a Crimeia em 2022.
Outro fator que pode entrar na equação é a pequena porção de território russo na região de Kursk que a Ucrânia ainda controla. A Rússia já rejeitou a ideia de trocar esta área por concessões, mas, caso as negociações comecem antes de uma eventual reconquista russa, Kiev poderá tentar usá-la como moeda de troca.
NATO e União Europeia: o futuro da Ucrânia no Ocidente
Além da questão territorial, a segurança a longo prazo da Ucrânia será um dos pontos centrais das negociações. Kiev considera a adesão à NATO essencial para garantir proteção contra futuras agressões russas. Já Moscovo vê essa possibilidade como uma ameaça existencial.
A administração Trump já deu sinais de que se alinhará com as exigências russas nesta matéria. Uma solução intermédia poderia ser a aceitação de um eventual alargamento da União Europeia à Ucrânia, mas com a condição de esta não aderir à NATO. Durante as negociações de paz falhadas em 2022, os representantes russos chegaram a aceitar uma formulação no tratado que declarava que o acordo seria “compatível com uma possível adesão da Ucrânia à União Europeia”.
Garantias de segurança: como evitar novos conflitos?
Sem a proteção da NATO, Zelensky tem insistido na necessidade de uma força de paz estrangeira com 200 mil soldados para garantir um eventual cessar-fogo. No entanto, especialistas acreditam que o Ocidente não conseguiria reunir um contingente tão grande. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou recentemente que o Reino Unido estaria disposto a enviar tropas de manutenção de paz, sem especificar quantos soldados disponibilizaria.
Por outro lado, a Rússia quer as suas próprias “garantias de segurança”, exigindo que a Ucrânia não possa reconstruir as suas forças militares nem tentar recuperar territórios ocupados. Moscovo propõe ainda um limite para o tamanho do exército ucraniano e a proibição da presença de tropas estrangeiras no país.
Uma possível solução poderia envolver uma força internacional reduzida, com cerca de 7.500 elementos, composta por países aceitáveis para ambos os lados. Esta proposta, elaborada por um grupo de especialistas liderado por Marc Weller, professor de Direito Internacional na Universidade de Cambridge, incluiria sanções automáticas contra qualquer parte que violasse o acordo. A Ucrânia poderia realizar exercícios militares limitados e colaborar na produção de armamento, mas não poderia hospedar forças estrangeiras permanentes nem possuir mísseis de longo alcance.
Como garantir um cessar-fogo eficaz?
A estabilidade de qualquer acordo dependeria da implementação de mecanismos robustos para garantir o cumprimento de um cessar-fogo.
Thomas Greminger, ex-diplomata suíço e especialista em missões de monitorização, identifica ao New York Times três elementos essenciais:
Definição da linha de contacto – onde termina o território controlado por cada lado.
Criação de uma zona de separação – um espaço desmilitarizado para evitar confrontos acidentais.
Mecanismos de responsabilização – regras claras para reagir a violações do cessar-fogo.
Segundo Greminger, a redação do acordo teria de ser “altamente técnica” nestes pontos, mas estas especificidades poderiam ser “determinantes para a durabilidade do cessar-fogo”.
O papel da NATO na Europa Oriental
Para Putin, a guerra na Ucrânia não é apenas sobre território, mas sobre um novo equilíbrio de segurança na Europa.
Semanas antes da invasão, o Kremlin exigiu que a NATO não expandisse mais para leste e que retirasse tropas de vários países europeus. Durante a chamada com Trump em 12 de fevereiro, Putin reiterou a necessidade de eliminar as “raízes do conflito”, segundo um comunicado do Kremlin.
Isto sugere que a Rússia poderá exigir concessões que vão além da Ucrânia, incluindo limitações ao reforço militar da NATO em países como a Polónia e os Estados Bálticos. Enquanto os aliados europeus alertam que qualquer recuo da NATO aumentaria o risco de uma futura agressão russa, Trump poderá estar inclinado a aceitar um acordo que reduza a presença militar americana na Europa, dado o seu histórico de ceticismo em relação às missões dos EUA no estrangeiro.
Trump, Putin e o impacto global das negociações
As exigências russas não se limitam a território e segurança. Durante as negociações de 2022, Moscovo tentou impor medidas que alterariam a identidade da Ucrânia, como a oficialização da língua russa e a proibição de nomes de ruas e monumentos ligados a figuras do movimento de independência ucraniano. Questões como estas poderão voltar a ser levantadas.
Além disso, Putin poderá tentar usar um eventual acordo para garantir a redução de sanções económicas impostas pelo Ocidente. Analistas acreditam que o líder russo procura não apenas um compromisso sobre a Ucrânia, mas uma reconfiguração mais ampla das relações entre a Rússia e os EUA.
“Putin quer uma relação produtiva e de longo prazo com esta administração”, afirmou Rose Gottemoeller, ex-subsecretária de Estado dos EUA e especialista em negociações com Moscovo. “Ele terá de estar disposto a fazer concessões.”