Como impedir o sequestro de uma estratégia
No início de 2020, a fabricante de sistemas de som sem fios Sonos anunciou que iria deixar de fornecer suporte a um dos seus produtos mais antigos: as colunas sem fios lançadas entre 2006 e 2009. A empresa argumentou que as colunas sem fios tinham «chegado ao seu limite técnico em termos de poder de processamento» e que «iriam deixar de receber actualizações de software ou novas funcionalidades». Além disso, os sistemas com produtos novos e antigos deixariam de receber actualizações, tornando aparelhos funcionais em aparelhos praticamente inúteis, segundo alguns. Uma multidão de utilizadores irados invadiram o Twitter com a hashtag #SonosBoycott e argumentaram que os primeiros e leais utilizadores dos produtos estavam a ser punidos. Não demorou muito até que o CEO da Sonos respondesse, declarando: «Ouvimos o que têm a dizer. Esta estratégia estava errada desde o início» e prometendo apoio técnico para aparelhos mais antigos.
Este exemplo demonstra o “sequestro de uma estratégia” – ou seja, uma situação em que grupos de clientes insatisfeitos dominam o controlo da estratégia de uma organização. A Sonos não é a única a ter tido uma estratégia sequestrada: Adidas, Coca-Cola, Carlsberg, H&M e Lego, para dar apenas alguns exemplos, tiveram de ajustar estratégias como resposta à reacção de clientes.
O nosso estudo explora as causas subjacentes dos sequestros de estratégias, a natureza oscilante da dinâmica de uma empresa de consumo, e as implicações resultantes para os líderes. Em conjunto, sugere-se uma mudança fundamental na dinâmica de poder na estratégia, mudança essa que surgiu graças a desenvolvimentos tecnológicos e sociais que alteraram a forma como empresas e clientes interagem. Graças às ligações das redes sociais, está a tornar-se muito mais fácil os clientes unirem-se contra as empresas – e graças à transparência dos dados disponíveis, é agora também muito mais fácil os consumidores estarem atentos aos comportamentos das empresas.
PORQUE É QUE OS SEQUESTROS DE ESTRATÉGIAS SÃO TÃO PREVALECENTES?
O aumento do sequestro de estratégias deve-se a desenvolvimentos tecnológicos significativos e a mudanças no comportamento dos consumidores. Os clientes tornaram-se mais susceptíveis, empenhados e envolvidos.
- Susceptível. Os clientes tornaram-se mais susceptíveis graças aos desenvolvimentos tecnológicos e competitivos. Os desenvolvimentos tecnológicos aceleraram as exigências dos clientes, em termos de personalização, resposta em tempo real e centralidade no cliente. Além disso, as empresas competem cada vez mais umas com as outras para satisfazerem as necessidades dos clientes. De muitas formas, a situação pode ser descrita como a “corrida da Rainha Vermelha”, na qual as empresas correm cada vez mais depressa só para ficarem no mesmo sítio. Como resultado, o que antigamente eram características extraordinárias e engraçadas feitas para agradar aos consumidores tornaram-se mínimos esperados pelos clientes. A incapacidade de oferecer essas características dá origem a reacções fortes. Por outras palavras, os clientes tornaram-se susceptíveis.
Um exemplo da susceptibilidade dos clientes está na situação em que a Mondelez International anunciou que iria alterar o formato icónico da sua famosa barra de chocolate Toblerone, ao cortar alternadamente o pico da montanha, reduzindo assim o peso da sua tablete de 170 gramas para 150 gramas. A empresa responsabilizou o aumento do preço dos ingredientes e indicou que o novo formato permitir-lhe-ia manter o preço. O anúncio chamou imediatamente a atenção e enfureceu o público online, algo que se pode ver nas pesquisas do Google Trends por volta da altura do anúncio.
Quando lemos a declaração estratégica da Mondelez pela primeira vez, previmos que os consumidores do Toblerone iriam “sequestrar” a estratégia da empresa e forçá-la a mudar para o formato inicial – e tivemos razão. As empresas não conseguem diminuir o desempenho em expectativas que são tomadas como certas, como se vê pela reintrodução da tablete Toblerone – no seu formato original e com um tamanho ainda maior. - Envolvido. As empresas querem cada vez mais ligar-se aos seus clientes, e a tecnologia tem sido um motor ao juntar consumidores a empresas e uns aos outros. Os utilizadores receberam ferramentas para co-desenvolver produtos com empresas, as comunidades online aplicaram-se a resolver problemas nos produtos e os programas de fidelidade e a analítica ajudaram as empresas a compreenderem os comportamentos dos consumidores e a aprofundar as ligações dos consumidores aos produtos. Consequentemente, muitos clientes desenvolveram relações profundas e pessoais com organizações e marcas. Embora esse envolvimento seja importante para a satisfação e a lealdade, pode resultar em insatisfação se a organização agir de formas desalinhadas com os ideais dos clientes.
Por exemplo, a marca sueca de vestuário H&M enfrentou recentemente críticas dos consumidores sobre possíveis acções de “greenwashing” (em que as empresas usam a ecologia apenas como jogada de relações públicas) depois de acusações de que a empresa queimava vestuário por vender apesar de publicar ambiciosas declarações de sustentabilidade. A H&M enfrentou ainda mais críticas algum tempo mais tarde, quando passou uma publicidade que muitos viram como racista. Quer os críticos estejam certos ou errados na sua ira, o envolvimento dos consumidores implica sempre o risco de correr mal. Quando se desenvolve uma relação com os consumidores, é-lhes oferecida uma parte do negócio. - Enredado. As redes sociais enredaram cada vez mais clientes e empresas em redes intrincadas e interligadas. As empresas querem estar ligadas aos clientes das redes sociais e procurar comunicações positivas entre consumidores. Os clientes também desejam este tipo de ligação e estão imersos em redes virtuais de clientes, negócios e outros stakeholders – todos a tentarem influenciar-se. As mudanças desejadas pelos consumidores ou por outros stakeholders não podem ficar isoladas, mas propagam-se.
Isto tornou-se evidente no complicado caso da Lego, Shell e Greenpeace, em que cada organização e os seus consumidores se enredaram nas redes e se ligaram através de redes sociais. Em 2014, a Greenpeace começou a pressionar a Lego para acabar a sua parceria com a Shell ao lançar um vídeo do YouTube que mostrava um universo Lego a afundar lentamente em petróleo. O vídeo tornou-se viral e obteve apoio generalizado entre os consumidores. Após três meses de campanhas agressivas, a empresa de brinquedos anunciou que não iria renovar o seu contrato com a Shell.
O QUE É QUE OS ESTRATEGAS PODEM FAZER NESTES CASOS?
Estratégia implica tomar decisões e aceitar compromissos. Mas quando os consumidores sequestram a estratégia, tomam as decisões pela empresa e, no fundo, mudam ou até invertem as estratégias. O que é que os estrategas podem fazer?
- Prever e prevenir. Em teoria, os estrategas devem reconhecer que os planos podem estar em perigo de serem sequestrados pelos clientes e tomar medidas preventivas para contrabalançar essa resistência. Conseguimos prever os problemas que a Mondelez enfrentaria se decidisse mudar o Toblerone. Se os gestores de topo tivessem feito o mesmo, poderiam ter concebido medidas preventivas, talvez lançando uma versão “Toblerone light” juntamente com o Toblerone convencional. Ao fazê-lo, a empresa evitaria que os clientes fossem apanhados de surpresa e reduzia o risco de um sequestro. A regra simples é: pensem nas coisas e eliminem os riscos.
- Reagir e reverter. Se uma estratégia já foi sequestrada, a empresa deve reagir e, se necessário, reverter para a sua posição inicial. Esta resposta foi demonstrada pela cervejeira dinamarquesa Carlsberg, após lançar uma garrafa em substituição da habitual. Tanto consumidores como parceiros de distribuição protestaram veementemente. Após três meses, a equipa de gestão da Carlsberg baixou o preço da garrafa nova. Contudo, isso não foi suficiente para satisfazer os consumidores e, no final, a Carlsberg voltou a lançar a sua garrafa antiga no mercado dinamarquês. As empresas precisam de ser igualmente flexíveis.
- Dividir e diversificar. Outro elemento importante para se lidar com estratégias sequestradas é separar a estratégia geral em projectos diferentes. As organizações referidas fizeram duas coisas ao mesmo tempo: apresentaram um novo produto e removeram o antigo, criando espaço para um sequestro. Ao tratarem as duas questões como dois projectos, as organizações podem abordar diferentes segmentos de consumidores e ganhar tempo para executarem os projectos a velocidades diferentes. Se a Carlsberg tivesse lançado a garrafa nova com a antiga, e tivesse descontinuado a antiga apenas quando os consumidores já tivessem habituados à nova, a estratégia da empresa provavelmente não teria sido sequestrada.
Quando os consumidores se tornam susceptíveis, envolvidos e enredados, a vossa estratégia corre o risco de ser sequestrada. Quando os clientes sequestram uma estratégia, a trajectória desta começa a assemelhar-se a um boomerang. Embora este regresso seja uma excelente qualidade num brinquedo, é muito dispendioso quando falamos da estratégia de marketing de uma empresa. Os gestores podem trocar um possível boomerang por uma seta que acerta no alvo. Ao seguirem estas práticas recomendadas – antecipando futuros sequestros, lidando com o sequestro da estratégia, usando as emoções dos consumidores a vosso favor – a trajectória da vossa estratégia passará de um boomerang para uma seta impulsionada pelas massas que satisfaz as expectativas da base.
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Artigo publicado na revista Executive Digest n.º 173 de Agosto de 2020