Clínicas privadas cobraram indevidamente a grávidas por exames cobertos pelo SNS: ERS aplica coimas de mais de 244 mil euros

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) revelou que entre 2023 e abril de 2025 foram aplicadas coimas superiores a 244 mil euros por práticas ilegais e discriminatórias no acesso a exames médicos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um dos casos mais emblemáticos envolveu uma grávida algarvia, identificada como PK, que viu a sua ecografia do terceiro trimestre recusada por uma clínica privada com convenção com o SNS — a menos que aceitasse pagar 100 euros.

A denúncia foi feita pela própria médica de família da utente, que contactou diretamente o regulador. Segundo a deliberação da ERS, publicada recentemente, a clínica alegou não ter vagas disponíveis em tempo útil através do SNS, mas propôs à utente a realização do exame a título particular. O exame foi, no entanto, realizado sem custo após insistência da médica, tendo a profissional da clínica acedido “por respeito e uma questão de ética profissional para com a médica de família”, lê-se no documento citado pelo jornal Público.

Este episódio é apenas um entre 183 reclamações recebidas pela ERS desde 2023, referentes à recusa ou discriminação de utentes com base na entidade financiadora dos cuidados de saúde. De acordo com os dados fornecidos ao Público, a esmagadora maioria das queixas provém de utentes do SNS a quem foi exigido pagamento por exames que estão legalmente cobertos pelas convenções estabelecidas com o Estado.

Na resposta enviada à ERS, a clínica visada justificou-se afirmando que, sendo uma entidade privada com acordos com vários subsistemas, tinha liberdade para servir outros utentes. Criticou ainda o facto de PK só ter entrado em contacto com a clínica 22 dias após a prescrição do exame, sugerindo que poderia ter procurado outras seis unidades conveniadas. No entanto, o regulador foi claro: as regras internas da clínica eram discriminatórias, uma vez que a alegada falta de vagas só se aplicava a utentes do SNS.

A ERS emitiu então uma instrução obrigando a clínica a garantir acesso equitativo a todos os utentes, determinando que os critérios de agendamento devem ser os mesmos independentemente da entidade pagadora e com base na ordem dos pedidos. “A indisponibilidade de agenda apresentada não era geral, mas seletiva, aplicando-se apenas a utentes do SNS”, destacou o regulador.

A atuação da ERS não se ficou por este caso. Entre as deliberações mais recentes está ainda a sanção a outra clínica que impunha exames adicionais não prescritos pelos médicos de família dos utentes do SNS, alegando que se tratava de uma boa prática. O regulador reconheceu a possibilidade de contacto entre o clínico e o prescritor para sugerir exames complementares, mas sublinhou que não pode haver qualquer condicionamento ou recusa da realização dos exames prescritos inicialmente, sob pena de violação do contrato com o SNS.

Outro exemplo incluído nas deliberações foi o de uma clínica que cobrava 25 euros a utentes do SNS pela realização de citologias, também em violação do protocolo estabelecido com o Estado. Apesar de a cobrança já ter cessado, a ERS determinou que a unidade deve garantir o cumprimento rigoroso das condições contratuais, assegurando a comunicação entre profissionais de saúde quando necessário.

Em resposta ao Público, a ERS referiu que mantém uma atuação ativa na prevenção de práticas de exclusão ou discriminação no acesso aos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) no âmbito do SNS. As intervenções incluem a emissão de instruções e aplicação de sanções pecuniárias, que em 2023 atingiram 130.750 euros e em 2024 113.500 euros, totalizando 244.250 euros até abril de 2025.

As autoridades alertam para a importância da vigilância contínua e denúncias por parte dos utentes e profissionais de saúde, uma vez que estas práticas violam não só os contratos estabelecidos com o Estado, mas também direitos fundamentais de acesso universal aos cuidados de saúde, garantidos pelo SNS.