
China diz estar “de portas escancaradas” a negociações com os EUA após Trump sinalizar recuo nas tarifas
A China declarou esta quarta-feira que está “de portas escancaradas” para retomar negociações comerciais com os Estados Unidos, no seguimento de declarações do presidente Donald Trump que sugerem um abrandamento na sua linha dura contra Pequim. A mudança de tom surge após semanas de instabilidade nos mercados financeiros e de crescente pressão internacional para desanuviar o clima de confronto entre as duas maiores economias do mundo.
Num claro sinal de abertura, Trump afirmou na terça-feira, em Washington, que as tarifas impostas sobre muitos produtos chineses “vão cair substancialmente”, embora tenha acrescentado que “não serão zero”. “Vamos ser muito simpáticos e eles também vão ser muito simpáticos — e veremos o que acontece”, declarou o presidente, mostrando um tom inusitadamente conciliador para com o homólogo chinês, Xi Jinping.
Esta mudança ocorre após o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, ter afirmado, durante um evento à porta fechada promovido pelo JPMorgan Chase, que o actual impasse comercial é insustentável. Segundo uma fonte presente na reunião, Bessent acredita que se aproxima uma fase de desanuviamento. “Há muito trabalho pela frente com Pequim, mas a meta não é o desacoplamento económico. O objectivo é assegurar condições de comércio justas”, explicou o responsável, citado pela AFP.
A confirmação de que Trump não pretende despedir o presidente da Reserva Federal, Jerome Powell — após semanas de ataques verbais — também trouxe alívio aos mercados. “Não tenho intenção de o demitir. Gostaria que fosse mais ativo na descida das taxas de juro, mas se não o for, também não é o fim do mundo”, disse o presidente, afastando rumores que tinham contribuído para a instabilidade de Wall Street.
Reação da China: “As guerras comerciais não têm vencedores”
Em resposta às declarações de Trump, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Guo Jiakun, reafirmou esta quarta-feira que Pequim continua disponível para negociar: “A China sempre afirmou que não há vencedores em guerras de tarifas e comerciais. A porta para as conversações está amplamente aberta”, disse em conferência de imprensa.
Também o presidente Xi Jinping alertou para os efeitos nefastos da guerra comercial. “Estas disputas minam os direitos e interesses legítimos de todos os países, prejudicam o sistema de comércio multilateral e afectam a ordem económica mundial”, declarou, citado pelos media estatais chineses.
Pequim mantém tarifas retaliatórias de 125% sobre produtos norte-americanos, como resposta às medidas de Trump que, desde janeiro, agravou tarifas para 145% sobre muitas importações chinesas — inicialmente justificadas pela alegada participação da China na cadeia de fornecimento de fentanil e, posteriormente, por práticas comerciais consideradas desleais por Washington.
Pressões diplomáticas e resposta internacional
Enquanto os mercados asiáticos reagiam positivamente — com os principais índices de Hong Kong e Tóquio a subir cerca de 2% — a diplomacia chinesa intensificava esforços junto de parceiros europeus. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, contactou os seus homólogos do Reino Unido e da Áustria, apelando a uma frente comum em defesa do comércio multilateral.
Na mesma linha, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, enviou uma carta ao chefe de governo japonês, Shigeru Ishiba, sugerindo uma resposta coordenada às tarifas norte-americanas. Segundo a imprensa japonesa, Tóquio está a considerar concessões comerciais e uma segunda visita do enviado especial Ryosei Akazawa a Washington, já na próxima semana.
Em Pequim, o desagrado com Washington também tem sido alimentado por declarações consideradas ofensivas. O vice-presidente dos EUA, JD Vance, referiu-se recentemente a “camponeses chineses”, gerando críticas duras de diplomatas chineses, que classificaram os comentários como “ignorantes e desrespeitosos”.
Contexto económico e necessidade de acordo
Com os mercados globais em queda desde que Trump anunciou, a 2 de abril, uma vaga de tarifas punitivas — seguidas por uma moratória de 90 dias para a maioria dos países, mas não para a China —, o presidente norte-americano enfrenta pressão crescente para alcançar um acordo.
A economista-chefe da Natixis para a região Ásia-Pacífico, Alicia García Herrero, considera que Trump está sob stress devido à deterioração económica interna: “Ele está em pânico com a queda dos mercados e os rendimentos elevados dos títulos do Tesouro. Precisa de um acordo, e rapidamente. A China, nestas condições, não precisa de oferecer grandes cedências”, afirmou à Bloomberg.
As exportações chinesas para os EUA continuam sob pesadas tarifas, embora Washington tenha feito algumas excepções para computadores e dispositivos electrónicos de grande consumo. Ao mesmo tempo, o volume de reservas de contentores entre os dois países diminuiu acentuadamente, um sinal de que a guerra comercial está a deixar marcas nas cadeias de abastecimento globais.
Próximos passos: negociações à vista?
Esta semana, ministros das Finanças e governadores de bancos centrais de todo o mundo reúnem-se em Washington para os encontros anuais da primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Embora não figurem formalmente na agenda, os avanços nas negociações comerciais entre os EUA e a China deverão dominar as conversações paralelas entre os responsáveis.
Trump, por agora, recusa a linguagem da confrontação. “Não vejo necessidade de dizer que vou ser duro com o presidente Xi. Vamos ser simpáticos e ver no que dá”, garantiu. No entanto, fontes diplomáticas em Pequim afirmam que a China espera ver medidas concretas — incluindo a contenção de declarações hostis por parte de membros da administração — antes de aceitar voltar à mesa das negociações.
Apesar das incertezas, o sinal mais claro até agora foi dado: o confronto directo poderá estar a dar lugar a uma fase de entendimento. Mas, como em todas as disputas comerciais desta dimensão, o caminho para um acordo será tudo menos linear.